22/12/13

Contos Contados 7: "A Velha Macieira"

A Velha Macieira
Em tempos que já lá vão – e já lá vão há muito tempo -, existiu um sítio chamado Cabeço das Macieiras. Era um pequeno monte verdejante onde só cresciam macieiras – na verdade também lá existiam umas quantas pereiras raquíticas, mas esse é um pormenor que as histórias não contam, pois eram tão pequenas que ninguém reparava nelas e, nesse aspecto, algumas histórias são piores do que os comuns observadores, só reparam no que é mesmo grande e óbvio. Continuando…
Nunca ninguém soube porque é que, naquele tempo, só ali havia dessas árvores; o que é certo é que elas reinaram ali de forma absoluta durante muito tempo. Mas, tal como acontece na História, nenhum reinado dura eternamente e chegou um ano em que as macieiras começaram a dar lugar a outras árvores, na sua maioria de pequeno porte e pouco frondosas, daquelas árvores jovens e impetuosas, para além de resinosas, que não dão uma para a caixa.
Foi assim que chegou o tempo em que apenas restava uma macieira, muito velha e curvada. Era sólida como um castelo e ia resistindo como podia aos assédios das outras plantas atrevidas, que procuravam mais espaço e que, na busca da expansão desejada – não que espaço fosse coisa que lhes faltasse! – não hesitavam em incomodar todos os seres vivos em redor.
Passado um certo tempo, começou a desenvolver-se junto à anciã uma pequena laranjeira – sabe-se lá como fora ali parar! Era uma planta muito azeda e até as suas laranjas amargavam. Queria à viva força que a macieira, que era uma idosa, lhe cedesse mais espaço. Mas a pobre árvore estava velha demais para acatar ordens de plantas adolescentes com a impertinência à flor da pele e não se mudou – como é natural, sendo uma árvore nunca seria bem sucedida na tarefa de mudar de casa por sua própria conta e risco, sem a ajuda de um humano, que eram, como ela própria dizia, bichinhos muito engraçados e cheios de genica, mas o que conta é o gesto. O tempo foi passando e a laranjeira, não conseguindo levar a velha árvore a mover-se, decidiu obrigá-la. Durante muito tempo esforçou-se por empurrar a árvore mais antiga, sem que alcançasse outro resultado que não fosse extenuar-se a si mesma. A velhota era demasiado rija para poder ser desalojada assim. Tanto os seus esforços se revelaram infrutíferos que a laranjeira acabou por desistir. Era escusado persistir e até uma árvore daquele calibre, retorcida como era, teve de o admitir
No entanto, passadas semanas, houve um vendaval terrível que fustigou todo o Cabeço das Macieiras, ao qual assentava, agora, melhor o nome de Cabeço Quase Sem Macieiras. A velha macieira não se deixou derrotar e resistiu heroicamente à tempestade, protegendo a planta mais nova, que se acoitara a seu lado. Contudo, a luta contra os ventos fatigou muito a anciã, que caiu passados poucos dias.
Quando tal aconteceu, a laranjeira exultou de alegria, pulou (tanto quanto a uma árvore o é possível fazer) e bailou, sem se aperceber, pobre palerma, de que a sua própria sepultura estava já cavada: enquanto existira, a macieira protegera-a das intempéries, mas, agora, nada havia entre ela e o vento, que a levou pouco depois, arrancando à terra as suas raízes tenras.

Tomás Vicente (ex-aluno)


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