16/12/13

Contos Contados 6: "As Ovelhas"

As Ovelhas
Em tempos, numa gruta nos montes – uns montes que já ninguém sabe onde ficam – vivia um troll, grande, feio e velho. Esse bicharoco habitava aquele local húmido e fedorento tendo por companhia apenas as suas ovelhas, falava apenas com os seus botões e resmungava muito entre dentes. Levava a vida a roubar gado ovino aos pastores da região e elas davam-lhe tudo o que precisava para viver, ainda que o fizessem contra vontade...
Houve, no entanto, um ano em que o troll constatou que em breve o afligiria a falta de comida, pois o seu último carneiro morrera e, sem carneiros, as ovelhas não teriam crias logo, o seu rebanho ia acabar por desaparecer. Se isso acontecesse, teria que voltar a roubar os pastores, coisa que já não fazia havia algum tempo. Estava a envelhecer e a sua pele deixara, a pouco e pouco, de ser uma protecção eficaz contra as investidas dos camponeses furiosos. O velho ermitão nunca imaginara que tal pudesse acontecer e, agora que estava perante esse facto inevitável, resultado de uma conspiração do tempo, não sabia como se desembaraçar das dificuldades causadas pela pouca sorte e pela velhice, que era uma amiga traiçoeira.
Um dia, estando ele a falar com os seus botões sobre o assunto, lamuriando-se muito, uma das suas ovelhas – que se consideravam miseráveis escravas nas mãos dele,  um indivíduo que era, nas palavras delas, «um sujeitinho avantajado e ganancioso» - ouviu-o. Foi a correr contar às outras, acrescentando que, se tivessem sorte, o troll teria que sair em busca de rebanhos desguarnecidos e talvez se ferisse gravemente.
Ansiavam por poder escapar ao seu carcereiro mas não sabiam como o conseguir, uma vez que ele fechava sempre a cancela da cerca que rodeava a entrada da gruta, para que as ovelhas não pudessem sair quando não estava a vigiá-las. Como não conseguiam estar de acordo quanto à maneira de alcançarem a liberdade, escolheram uma de entre elas e encarregaram-na de ir pedir conselho ao Corvo Sabichão. E a escolhida lá foi…Estava muito nervosa quando se aproximou do Corvo, já que estava em jogo algo muito importante para o pequeno rebanho e o Sabichão tinha, por vezes, ataques de mau humor…não podia correr o risco de o irritar…
- Ó Corvo – começou ela -, precisamos da tua ajuda para escaparmos ao troll, que é muito mau e abusador. Podes dizer-nos o que havemos de fazer?
O Corvo pediu-lhe que lhe contasse tudo, devagar e sem ocultar nada, e a pequena ovelha lá repetiu tudo o que sabia, meia a tremer. Por sorte, a ave estava num dos seus dias bons e prontificou-se logo a auxiliar as pobres criaturas. A sua esperteza aconselhou-o imediatamente acerca do assunto e, depois de mandar a mensageira de volta para junto das outras, foi ter com o troll, espiando-o antes de se dar a conhecer. Como vinha já sendo hábito, este estava a desfiar um rosário de lamentações sobre a má sorte que o acometera no fim da vida, quando devia usufruir de paz e tranquilidade. Foi então que o Corvo lhe falou, mais ou menos desta maneira:
- Ó troll, disseram-me os ventos que andas preocupado. Vim na esperança de te poder aconselhar. O que é que te anda a apoquentar?
O troll, que era pouco dado a subtilezas, não suspeitou da ave e contou-lhe tudo. Evidentemente, apresentou-lhe a sua versão dos factos, substancialmente diferente da das ovelhas. Quando o queixoso terminou o relato das suas preocupações e tormentos, o Sabichão disse-lhe assim:
- Pois bem, não te lamuries mais! Há pouco, quando vinha para cá, vi um velho pastor que trouxe o seu rebanho para o vale e, sem sequer deixar cães de guarda ao rebanho, adormeceu junto a uma árvore frondosa, cansado que estava da caminhada. Vai lá e rouba-lhe os carneiros enquanto ele dorme, terás o problema resolvido!
O troll, saltando de alegria, apressou-se a seguir o conselho do Corvo, gritando-lhe um agradecimento por cima do ombro, enquanto corria. Tal foi a sua pressa que se esqueceu de fechar a cancela e, quando ele desapareceu de vista, a ave espertalhona foi chamar as ovelhas e disse-lhes que o caminho estava livre. Estas agradeceram-lhe muito e escaparam-se para a liberdade que o seu próprio carcereiro lhes oferecera.
Pobre troll, que não soube contentar-se como o que tinha! Nunca chegou a encontrar o tal rebanho, que nunca tinha existido, e, ao voltar a casa e deparar-se com a cerca vazia, foi totalmente tomado pelo desalento.

Tomás Vicente (ex-aluno)

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