06/07/12

O Leitor Tem (Quase) Sempre Razão!


É frequente os comerciantes dizerem que "o cliente tem sempre razão". Será que, na literatura - e perdoai-me esta triste comparação -, podemos dizer que "o leitor tem sempre razão"? Bem...eu penso que isso depende muito do carácter do leitor e do teor das suas opiniões. Passo a explicar...

Quando alguém lê um livro, o efeito que a obra lida produz em nós tem muito a ver com aquilo de que nós próprios somos feitos. E porquê? Porque gostarmos ou não de um livro é como apreciar ou não um determinado quadro; depende dos nossos gostos, das nossas opiniões, da nossa percepção do mundo , da maneira como nos posicionamos perante o que nos rodeia, das nossas "inclinações/preocupações sensíveis" (é esta a expressão que encontrei para designar aquilo que nos é agradável à vista e à imaginação e que procuramos conservar no ambiente que nos rodeia), etc. Neste âmbito, penso que o leitor pode ter sempre razão, mas uma razão que não é universal (ou, pelo menos, não o é no sentido de ser adoptada por todos, mas é-o de facto quando queremos dizer que pode, universalmente, ser por todos reconhecida como válida), na medida em que faz sentido para esse leitor mas não necessariamente para (todos) os outros. E esta é uma razão que não podemos esperar impor aos outros ou instituir como padrão...é algo que se sente e não se pensa (não exactamente, no primeiro impulso) e que para cada um de nós é lógica e nos serve, esteticamente falando, como uma luva.

Mas agora há outra dimensão em que já não se pode partir deste princípio e eu, como apreciador e defensor ferrenho de algumas obras controversas ou que suscitam sempre opiniões diametralmente opostas umas das outras, tendo a preocupar-me bastante com este campo. Este é o campo da mensagem. Só o autor pode afirmar categoricamente qual é a mensagem da obra ou daquilo que escreve, seja o que for. E, ou concordamos com o autor ou é melhor pensarmos duas vezes (isto, sobretudo, no caso dos livros com uma moral vincada ou com uma certa profundidade ideológica e filosófica), e tentarmos distinguir as sensações de gosto (ou não) daquilo que o nosso intelecto racional retira de uma dita obra.

Podemos opinar sobre se concordamos ou não com a mensagem ou se está ou não explícita, mas, a menos que haja motivos evidentes para duvidar da honestidade do autor (quer partindo do conhecimento que temos da pessoa que escreveu ou de sinais óbvios evidenciados na obra), quando um autor diz ter querido trabalhar um certo grupo de valores/etc., nunca podemos dizer que NÃO o fez ou não o tentou fazer. Sobre a mensagem do seu livro ou sobre o que dele quis fazer, o autor tem o dom da palavra.

Dou disto um exemplo: eu abomino, simplesmente, Os Capitães da Areia, de Jorge Amado, que não me é agradável e não corresponde ao tipo de livro que eu aprecio enquanto obra de arte. Mas, enquanto documento de protesto político ou tese social, nunca poderei dizer que não tem valor ou que não corresponde ao que o autor defende ou diz ter tentado transmitir ao leitor. Eu apenas posso não apreciar esteticamente o resultado.

Como leitor, sei que o que penso de um livro só para mim pode ser uma verdade na sua total extensão (devido a sensações que se acoitam no "instante anterior à expressão da linguagem") e que é preciso ter cuidado ao avaliar e analisar a obra, não vá incorrer numa injustiça para com o autor.

Tomás Vicente

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