30/01/12

Viver a Biblioteca!



"Sempre imaginei que o Paraíso fosse algum tipo de Biblioteca."
Jorge Luis Borges


Tantas frases que poderíamos citar, ao falar de uma biblioteca, tentando explicar o seu significado! E, o que é mais, nunca conseguiríamos! Alguém consegue contar as bibliotecas que existem ou já existiram, por esse mundo fora? Ou os livros que já foram publicados? Assim, também não poderemos encontrar nunca uma definição de biblioteca, pois o que vem no dicionário nada diz de verdadeiramente importante em termos mais que meramente racionais, e acharíamos, se procurássemos, tantas definições de biblioteca quantas as pessoas que as frequentam. Tudo na vida tem muitas faces...é como o Polvo, do Sermão de Santo António aos Peixes, de Padre António Vieira (1608-1697)! A diferença é que este conceito é fugidio apenas por boas e honrosas razões! Quem, no mundo, não vê as coisas com olhos diferentes dos do vizinho? Ao estudar a lírica de Camões, aprendi que os olhos são as janelas da alma e, agora, completo esta afirmação dizendo que são também os alçapões que vão dar ao coração.

Assim, estando os olhos ligados a dois conceitos - realidades! - ao mesmo tempo tão abstractos e tão palpáveis aos quais está inerente a subjectividade do ser, como pode alguma dessas janelas ser igual? Assim - e repescando o tema «biblioteca» -, como pode um conceito ser definido se é, forçosamente, tão subjectivo? E o conceito de biblioteca não o é mais que qualquer outro. Encontrar-se duas pessoas que se posicionem perante este "objecto" de reflexão da mesma maneira não deixa de ser apenas um (in)feliz acaso - o que não faz com que deixe de ser acaso.

Por mim, e à falta de palavras exactas na nossa maravilhosa língua portuguesa que permitam exprimir o que sinto em relação a isto com mais clareza, contento-me em definir biblioteca usando a frase de José Luis Borges acima citada. 

Descendo do geral ao particular, claro que tudo depende dos casos, do contexto, etc. Falando agora da nossa Biblioteca (não me imagino a usar este possessivo em relação a nenhuma outra!), e ressalvando que se trata da minha opinião, devida à minha experiência sensitiva e emocional e não a uma análise racional e objectiva, digo que poucos ou nenhum lugar conheci que se lhe comparem. Não vou perder tempo com elogios aos equipamentos, aos livros, etc. Isso são ninharias, há coisas mais importantes. 

Vai a caminho de fazer sete anos desde a primeira vez que pus os pés na Biblioteca Escolar (na altura designada CRE) da EB 2+3 de Telheiras nº1. Foi em Setembro de 2005 e tudo mudou radicalmente desde então. Mas este espaço incrível acompanhou-me em todas as etapas desse crescimento/amadurecimento/endurecimento, processo com altos e baixos, e permitiu-me esquecer - ainda permite -, de um modo inolvidável, qualquer turbulência que se desenrolasse lá fora, mesmo que esta estivesse à minha espera, à saída. Costuma-se dizer que as pessoas fazem os lugares, que, expondo esta ideia numa frase pouco formal, fazem o ninho em que depois nos aconchegamos. Ao longo da minha vida, e apesar de ainda pouco ter vivido, já conheci pessoas espectaculares e sinto o maior dos prazeres ao reconhecer que, a muitas delas, as conheci aí. Além de haver lugares que nos mudam a vida, há pessoas pelas quais vale a pena viver. Um grande MUITO OBRIGADO a todas elas, não só às deste meio como também às que estão para além destas pequenas fronteiras.

Sobre o modo como vivo este espaço, ocorre-me também algumas palavras, pois aquilo que se vive depende necessariamente da maneira como se vive. Acho que é importante agir, demonstrar aquilo que somos e em que acreditamos em algo mais que textos ou discursos (logo eu a dizer isto, alguém para quem o papel e a caneta são uma extensão do corpo! - idiossincrasias pessoais!). Mais uma vez, é oportuno lembrar o Padre António Vieira, para quem afirmar uma crença, uma posição, não era o suficiente, tinha que se ser, em si mesmo, o exemplo mais irrepreensível dessa crença em acções visíveis a todos - nada podia ser mais actual, mesmo quatro séculos mais tarde! A acção é a manifestação da força e da rectidão da alma, daí que seja importante tomar parte, dar-se ao trabalho, produzir.

Penso, porém, que, para que alguém possa apreciar alguma coisa verdadeiramente, tem que pôr de lado a pressa, a preocupação, os interesses mesquinhos e outros similares poluentes do espírito e simplesmente desfrutar das coisas (simples ou não) na companhia das pessoas certas. Pela minha parte, gosto muito de contribuir com ideias e trabalho para actividades realizadas na BE, mas as alturas em que realmente estou na biblioteca são aquelas em que me posso sentar numa das minhas mesas de eleição ao pé da janela, sem nada para fazer que não seja observar o resultado do esforço que se fez ou olhar preguiçosamente em volta para um lugar que exala um encanto secreto, escondido no interior de cada pessoa que passar por esta experiência. E quem diz aqui, nesta biblioteca, diz em todos os lugares que para nós tenham significado.

Temos apenas uma vida para pensar e executar o que pensamos. É bom que não nos enganemos no caminho, pois não se volta nunca atrás, é uma viagem de comboio sem bilhete de regresso. Assim, por aqui me fico, deixando como último conselho a quem ler este texto que aproveite o que a vida tem de melhor e de mais belo. Não se passa por ela duas vezes. Há um ditado persa que reza o seguinte e dispensa explicações:

" No dia do teu nascimento, todos riam e só tu choravas. Vive de tal maneira que, quando morreres, todos chorem e só tu sorrias."

A vida é um mistério a ser vivido, não um problema a ser resolvido, como dizia Kierkegaard. E, se ela é tão bela como de facto é, para quê as pressas e as pressões? É um livro que pode durar eternamente sem se tornar repetitivo e, no entanto, o que o torna ainda mais belo é sabermos que tem um fim e que nós não o controlamos de acordo com as nossas conveniências. Não é reconfortante (e espantoso) que nos poucos anos que nos é dado viver na Terra possamos viver e sentir coisas capazes de preencher a eternidade? A vida é rica. Para quê almejar o futuro quando o presente tem tanto para nos oferecer e o passado é digno de ser recordado em canções? Não era isto que ditava a sabedoria dos antigos...recordar o passado, agir no presente e garantir lugar na memória de um dia futuro? Pois bem, os antigos, como sempre, tinham razão: a vida é um rio impetuoso e caprichoso, não dá resultado interceptar o seu curso com uma barragem mas também não é menos errado tentar apressar o seu andamento. Alongar-me seria tentar exprimir o inexprimível. Até uma próxima ocasião!

Tomás Vicente

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