24/01/12

Em Boa Companhia...na BE!


Não é todos os dias que me são concedidas oportunidades como estas! E, em primeiro lugar, devo agradecer à professora Clotilde Mota, que me deu aulas de Português e Francês consecutivamente entre o 6º e o 9º ano, inclusive. Um grande, um enorme muito obrigado, professora, pela sua amabilidade, disponibilidade e por tudo o que fez por mim ao longo dos últimos seis anos! Obrigado também à professora Filipa Neves, que generosamente disponibilizou o espaço da BE e os recursos multimédia da mesma. E, claro, agradeço também aos outros professores e alunos da EB 2+3 de Telheiras nº1, em especial aos alunos do 7ºB, que se revelaram atentos e diligentes conversadores!

Terá sido ainda fim do 2º/início do 3º Período do ano lectivo transacto, pela altura que acabei uma revisão que andava a fazer de umas pequenas histórias que tinha escrito, que a professora Clotilde me falou pela primeira vez acerca da ideia de dar um dos meus contos em aula aos meninos do 6º/7º ano (e eu, que coro facilmente quando me elogiam, devo ter ficado completamente vermelhinho). Mas o terceiro período é sempre a época mais atarefada de todo o ano, tanto para alunos como para professores - ainda para mais, houve aquela memorável festa da escola, cujos preparativos tomaram conta da escola entre Maio e Junho! Assim, entrámos de férias, para um bem merecido descanso de Verão.

A 6 de Setembro de 2011, recebi um e-mail na professora, com novidades acerca do início do ano lectivo; dentre elas, cito este parágrafo:
"Estive a (re)ler o conto «Mochos e Corujas». Desta leitura, surgiu-me uma ideia. Quero, gostava, de falar contigo sobre isso. Para já é ...segredo."
Naturalmente, fiquei muitíssimo curioso acerca da misteriosa ideia. Foi este o ponto de partida para a realização da sessão do passado dia 12 de Janeiro. A ideia que era segredo, disse-me dias depois a professora, era dar o meu conto "Mochos e Corujas" em aula, para depois se fazer uma sessão, uma palestra em que eu viesse falar à turma sobre o mesmo e outros assuntos relacionados, mais uma vez fomentando o contacto dos alunos com a escrita e a leitura, através de textos acabados de sair da caneta para o papel (ou, no caso insólito destes contos, das teclas para o ficheiro Word!) .

Ao longo do primeiro período, falou-se muito sobre esta sessão, mas muitas peripécias ocorreram entre Setembro e Dezembro. Assim, chegado Janeiro, e estando tudo ordenado e o ambiente calmo pôde-se, por fim, organizar a dita sessão. Logo nos primeiros dias de aulas, as pontas soltas foram atadas e marcou-se, depois de discutido o assunto com a professora Filipa, a sessão para a passada quinta-feira, entre as 11h40 e as 13h15, na BE. E, estando os alunos já a iniciar-se no estudo do texto poético, acrescentou-se ao "programa" o tema Poesia. Antecipada agradável conjuntura, tratei de tomar notas daquilo que queria dizer e, no dia agendado, lá estava eu na BE, quase duas horas mais cedo. Esse tempo chegou e sobrou para separar em conjuntos os textos que a professora Clotilde tinha imprimido previamente, um exemplar de dois contos para cada aluno presente, e para organizar o espaço do CRE (ai!, se a professora Filipa me apanha com a antiga designação...!).

Mal posso descrever o meu intenso nervosismo, nessa manhã. Cheguei à BE cerca de uma hora e meia antes e tive muito que esperar...mas também tive muito que fazer. Fui falar com a professora Clotilde e preparar as coisas. A professora até já tinha imprimido um grupo de dois contos ("A Velha Macieira" e "A Morte Morreu de Medo") - umas vinte e tal cópias - para distribuir aos alunos. O resto do trabalho mudar a disposição das mesas e alinhar as cadeiras de modo a compor um "auditório" improvisado virado para o projector...(indicações cénicas para quem estiver familiarizado com o espaço da BE).

Por fim, chegou o momento! Sei que a minha descrição não vai transmitir completamente o que senti nesse dia, mas vou tentar compor um relato completo...

Após uma apresentação, introduzi o tema Contos debatendo o papel da literatura na escola e na vida com os alunos, que participaram activamente e superaram as minhas melhores expectativas, e procurando mobilizar conhecimentos prévios que os alunos tivessem acerca desta forma escrita. Seguidamente, pedi ao Diogo Coimbra, um dos alunos dessa turma, que eu já conhecia, que lesse um dos contos em voz alta, para depois discutirmos, referindo, entre outros aspectos, a moralidade do mesmo. A instâncias dos ouvintes, falou-se também de como surgiram os contos apresentados, de como foram escritos, se foi fácil ou difícil...

Mas, na minha opinião, o momento alto foi quando passámos ao tema Poesia. Grande parte das notas que escrevi antes da sessão versam esta segunda etapa e transcrevo delas alguns segmentos:
"A Poesia é muitas coisas. Primeiro que tudo, é uma realidade interessante, que não fica presa nos livros e anda por aí à deriva. A poesia é um caminho de vida (que trilhamos apenas se quisermos mas que, se escolhermos percorrê-lo, nos leva num passeio pela vida muito mais colorido e autêntico do que se fizermos o mesmo trajecto sem a companhia da poesia). Ou se vê poesia em todo o lado ou não se vê em lado nenhum (eu vejo poesia aqui, convosco, nesta sala).
Devemos abrir os olhos e ver se  agarramos a poesia antes de ser tarde demais, antes que ela nos deixe a alma. É para isso que serve a escola, as aulas de Português: para que possamos saber como agarrar a poesia e como aprender a sonhar."
Não o disse, certamente, com estas palavras exactas, uma vez que o discurso falado de desenvolve imprevisivelmente, mas a essência é esta. Quanto à famosa questão, onde está a poesia?, lembrei-me de citar o professor Joaquim Marques (tendo o cuidado de assinalar a citação - eu sou contra o plágio!). Mais excertos de algumas notas...
"Como se escreve um poema?: vivendo e sentindo!
Escrevemos melhores poemas se passarmos uma tarde com os amigos do que se ficarmos em casa, à secretária, a "marrar" na escrita até que esta saia."
Sim, acho que é mesmo isto. Não poderia ser dito de outra forma, a poesia não se comanda, sai sim como quer e bem lhe apetece, quando fazemos coisas realmente poéticas: e, claro está, marrar não é muito poético. Continuando...
"(...)se, num dado momento da vossa vida não conseguirem mesmo ver a poesia e tudo parecer cinzento, falem com alguém, façam alguma coisa que querem muito fazer...depois disso, vai-vos ser mais fácil vê-la de novo. Por aqui, vêem o que é, de verdade, a poesia: é, nada mais nada menos, que o espírito da vida, aquilo que nos faz andar para a frente neste mundo."
Para exemplificar as diferentes forças motrizes por detrás da poesia e os diferentes princípios, meios e fins da criação poética, ocorreu-me lembrar, contrastando, os poemas "Porque" (de Sophia de Mello Breyner), "A um negrilho" (de Miguel Torga) e "O Mostrengo" (de Fernando Pessoa). Li este último para os meus ouvintes, tentando imprimir, na expressividade da leitura, a gravidade e profundidade heróica de antanho que transparece no poema. Penso que, pela primeira vez na minha vida, consegui ler uma poesia com a entoação correcta...e mais que o mostrengo, que me a alma teme /(...)manda a vontade, que me ata ao leme / de El-Rey D. João Segundo!...estas palavras parecem ainda retumbar dentro da minha cabeça, sempre que me lembro da sessão.

Mais à frente na sessão, projectei ainda uma cantiga do período medieval, que transcrevo:


"Estudaes, e fogis de my,
soes latyno.
Que quedas daa o enssyno
do latym.

Trareis todo decorado
o Metamorfoseos,
eu trar-vos-ei asonbrado
de rryr de vos.
Coytado, triste de ty,
hom mofino,
que fost naçer en ssino
de latym"

Este pequeno poema, da autoria do conde do Vimioso, é uma censura bem-humorada a um amigo por este descurar o convívio com o amigo poeta por andar demasiado embrenhado nos estudos. Foi isso mesmo que me levou a incluí-lo no "programa", de modo a demonstrar a aplicabilidade desta mensagem à sociedade actual...e acentuar o respeito que devemos sentir por algo que atravessa os séculos que nos separam da Idade Média continuar pertinente! Em nota ao poema, escrevi: chamar a atenção para o estatuto imutável, de validade intemporal, da poesia; o sentir atravessa os séculos.

Uma das questões finais levantadas foi: escrever é difícil? Não, de todo, é mais fácil que adormecer, desde que não forcemos a escrita nem a tentemos vergar às nossas conveniências.

Já no fim da sessão, li ainda a seguinte nota marginal, que tinha escrito enquanto me preparava para a sessão: 
"A escrita tenta captar a essência do que vivemos e sentimos. É muito difícil conseguir esse grau de perfeição, são raros os casos daqueles que conseguem encerrar na página essa essências. A maioria dos escritores consegue apenas pálidos reflexos. Mas tentar é o que importa, porque o produto da tentativa vai falar por nós, é durável."
Mas os momentos bons também acabam e foi assim que me despedi dos alunos da professora Clotilde:

 Anda magia no ar,
Palavras velozmente a saltitar
De espírito em espírito,
De um para outro coração.
Contam histórias de mundos distantes
Ou do nosso vizinho do lado;

São amigáveis ou azedas,
Bonitas ou sem interesse,
Feias e disformes
Ou belas como a lua,
Radiantes como o sol.

São, acima de tudo,
Pintoras maravilhosas:
Pintam belos quadros coloridos,
Dançam ao som de uma música íntima;
Vejo-as formar paisagens,
Prados verdejantes,
Florestas de terras distantes;

Também vejo flores delicadas
Ou pingentes de gelo
E neves perpétuas aveludadas;
Gostam de abóboras do Halloween
E das decorações do Natal;

Vagueiam por campos e bosques,
Detêm-se nas cálidas bibliotecas;
Correm sobre as ondas do mar,
Cantam em coros de crianças;
E ainda dão nomes às coisas,
Terras e países;
Sonhos.

Desfilam os objectos
E elas chamam-lhes lápis,
Página, título, história;
E aos países chamam:
Portugal, Atlântida,
Antárctida, Grécia,
Terra Média ou Dinamarca;
França, Nárnia, Bulgária;
Olimpo e Nifflheim,
 Hades e Åsgard.

Visitam o mar do Mar do Sonho,
Os Cumes da Divagação;
Conhecem e conseguem tudo isto
Sem saírem do nosso coração,
Sem saltarem das páginas dum livro.


Sendo como sou, desenvolvi, provavelmente, muito mais temas colaterais do que era suposto, e devo ter enfastiado os ouvidos os alunos do 7ºB, mas isso já é outra história, a ser contada numa próxima ocasião. Sabeis, quem fala daquilo que realmente gosta torna-se, ao expor "as suas matérias", como um rio que recebe chuvadas intensas e, galgando as margens, provoca uma cheia. Se me permitis uma palavra a esse respeito, acho que, com todos os inconvenientes que possa ter, isso não é uma coisa má, é a prova de que se tem uma razão para avançar, algo para abraçar na vida, algo que para nós seja mais que simples "gosto", seja devoção. Assim sendo, peço aos alunos do 7ºB que me perdoem a tagarelice e desejo-lhes, sinceramente, uma boa viagem em companhia da poesia e do sonho, pois sem eles a vida é parda e monótona!
Tomás Vicente

4 comentários:

  1. Olá Tomás,
    Acabámos de ler o teu texto e queremos dizer-te que gostámos muito, gostámos e agradecemos tudo o que dizes. Foi muito útil para nós, ajudou-nos a perceber melhor certas coisas, nomeadamente a poesia, a mensagem que ela transmite. Decididamente, acreditamos também que nos é necessário ler, ler, ler para desenvolvermos certas capacidades que nos são inatas.

    Alunos do 7ºB
    24 de Janeiro de 2012

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    1. Obrigado, Professora, e obrigado alunos do 7ºB pela vossa atenção, por este comentário (...). Eu nunca antes tinha conduzido uma sessão e creio que a experiência poderia ter sido caótica não fosse o vosso interesse e simpatia e a ajuda e dedicação da vossa professora. Como vos disse na sessão, não são todas as turmas que têm a sorte de ter uma professora como a vossa, por isso aproveitem bem este ano lectivo e, se tiverem a sorte que eu tive, os próximos dois! Aqui ficam os meus votos de um bom ano para todos, com muito estudo, muita alegria e muita diversão. Lembrem-se que está nas vossas mãos tornar a escola tão boa e agradável quanto quiserem e que, para isso, nem sequer é preciso mudar o modo como as coisas são, apenas mudar a vossa maneira de as encarar. Quanto a mim, sinto-me reconhecido.

      Tomás Vicente
      26 de Janeiro de 2012

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  2. Exacto Tomás, nós agradecemos. Vai atrás do teu sonho...Tu consegues. Obrigado por me teres ensinado mais um pouco sobre poesia...Estive presente como aluno do 7ºB e gostei muito, agradeço novamente :)
    Abraço

    ASS: Adpd (Alexandre Durães)
    24 de Janeiro de 2012

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    1. Origado, Alexandre, pelas tuas palavras de incentivo! Acredita, há muitas alturas em que tais palavras chegam até uma pessoa como uma verdadeira lufada de ar fresco que nos empurra para a frente e nos entusiasma no sentido de prosseguirmos com as nossas tarefas e projectos. Fico muito contente por teres gostado e espero que, daqui em diante, tu e os teus colegas sejam uns verdadeiros bibliófilos, amigos íntimos da escrita e da poesia e, claro, da escola, que é o pano de fundo de tudo o mais. Um grande abraço

      Ass.: Tomás Vicente
      26 de Janeiro de 2012

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