28/09/11

Sequência poética 4

Tempo, o Carcereiro
Coisa estranha, não será,
Que o tempo, o dolente tempo,
Faça, à passagem, prisioneiras?
Mas – assombro! – leva consigo
Todas as coisas verdadeiras,
O mundo onde vivo;
E, diante de mim,
Apaga o caminho que ainda sigo.
Ó tempo, impiedoso és,
Por não te contentares
Em levar, para teu prazer,
As coisas derradeiras,
Rios, lagos, cabeços e pomares,
Quando delas fica o mundo vazio;
Levas-nos ainda o ano velho e sábio,
Deixando para trás o novo em desafio.
E, porque isto não te chega,
Voltas e levas o formoso Estio,
Atrás do qual fica o Inverno frio;
Mas cruel é a vida e tu guloso:
Despidos de todos os adornos,
Parcos na posse de outras belezas
Nos encontras, mas ainda mais riquezas
Nos tiras, pois cativas

Levas as nossas memórias vivas.


Lágrimas de Fénix
Quem chorar nunca soube -
Mas chorar verdadeiras lágrimas sentidas! -,
Não sabe o que é como uma fénix chorar
Não conhece a verdadeira tristeza,
Não sabe o que é lamentar
Ou de algo sentir pena.
Já chorei como uma fénix,
Desolada e inconsolavelmente,
E para mim nesse dia o mundo acabou
E por artes mágicas não renasceu
E nunca isso verei acontecer.
Tal como a dourada ave brilhante,
Eu chorei por algo amado ter que abandonar.
Se era pessoa, sonho ou lugar
Isso já não posso afirmar,
Pois cada um destes
Dolorosos casos já aconteceu.
Se custoso é ir em viagem
E para trás ficar alguém que durante muito
Tempo não poderemos ver,
Custoso é também mão abrir
Dum mundo de sonhos e fantasias
Onde a vida alegre parece voar
E onde os dias, sejam de sol ou chuva,
Levados são a rir e a alegria se faz ouvir!
Muito dói também perder um sonho,
Que com o lugar da sua criação se afunda!
Eis a minha missão nesta vida:
Pelas pessoas sempre zelar
E ao longo do tempo com primor cuidar
Que nunca o sonho se afunde,
Que nunca o longínquo ou impossível
De ser sonhado deixe
Não ser também como triste peixe
Que guelras ganha tristemente
Enquanto se afunda o seu mundo de sonho
Para o Abismo arrastado impiedosamente.
Eis o que devo fazer para cumprir
Tal missão, digna de se fazer ouvir:
Em viagem grande devo partir
Sempre comigo levando
Quem não quero eu que para trás fique1
Para o sonho não perder
Comigo tenho sempre de o ter,
De sonhar o improvável é meu dever
E a palavra » impossível « combater.
Nunca o meu de sonhos o meu mundo
Impiedosamente sugado irá ao fundo,
Que flutuadores eu arranjarei
Para garantir que um mundo melhor que o meu
Não se vá embora para o mar escuro como breu.
Há muito que choro como as fénixes,
Por um lugar que era meu
E que me tirou do Destino negro camafeu!
Choro lágrimas sentidas
Pois falhado tenho na minha missão
E os flutuadores rebentados estão,
Mas da batalha ainda não fugi,
Que me move mais forte nostalgia
Que aquela que alguma vez senti.
Exprimir tenho o que senti,
Pois que tal emoção se desvaneça não quero,
Apesar de há algum tempo
Se ter suavizado, não sendo por isso
Menos puras ou verdadeiras,
Pois não se tornaram de emoções mestiço.
É triste isto dizer,
Mas só agora pude tudo isto contar,
Que tinha o peito tão cheio d’ emoções
Que já nem podia comer!
Vou pois contar tudo isto
Que por dentro me aflige
E que de minha alma tanta força exije!
Choro eu por um lugar amado
Onde já não serei retornado.
Era o meu lugar de sonhos e divagações,
Por mundos fantásticos entusiasmantes incursões.
Era um mundo pelo luar banhado,
Detentor de uma magia linda e fria,
Era detentor de dias serenos de sol preenchidos
Que fatal atracção em mim exercia
Tinha de chuva, nevoeiro e cinza pálido
Muitos dias especiais,
Onde não havia dois iguais!
Para mim o mais belo lugar da terra
Está pois agora vedado,
Pois apesar de lá poder voltar,
Em tardes de deliciosa saudade,
Nunca mais me permitirão lá morar.
Mas apesar de o corpo por algures errar,
Minha alma já fixo tem um lar!
É por isso que estou a chorar,
A prantear como uma fénix que arde,
Pois como divido pode estar
Um ser humano que sonha
Mas também anda, e cujo corpo
A alma perdeu para sítio inalcançável.
E mais doloroso é ainda
Que a alma seja do reino mágico habitante
Sem para lá poder levar o corpo que errante!
Choro como uma fénix,
Pois a minha alma está a morar
Num lugar que foi lavado
Para o negro fundo do mar!


No Deserto Gelado
O deserto é grande e gelado,
De disforme aridez;
Assombrado.
A minha vós ecoa no vazio,
Reverbera no vácuo e retumba na mente;
Não há água, não há vento;
Não vejo frutos nem folhas.
Tudo mirrou, perdeu a cor.
Onde a fecunda terra?
Onde o doce orvalho?
Onde as árvores e os pássaros?
Onde a alegria
De um riso meigo e sincero?
Onde um ombro amigo?
Para onde foi a vida?
Ou, se agora vivo e antes sonhava,
Para onde o sonho?
A mente sem descanso o procura,
Uma efémera imitação
Do salutar passado;
Mas nada há no deserto
Que não sejam partidas do destino,
O negro fado, que aqui me trouxe.
O deserto é terra de engano,
Onde só há dor e incerteza,
Onde a vida e a força se apagam
Numa mórbida moleza.
Só a voz do deserto me responde,
Zombando de mim.
Mas de onde vem ela, se tudo murchou?
Os pesadelos acoitam-se-me na alma
E aí traçam o destino
Da minha tortura.
Parece que, em lugar da fartura,
Só ficou a negridão;
Já tudo é loucura,
Já nada é são;
E se estes versos
De desespero não rimam,
É culpa da áspera secura
Da tinta que me tinge a alma
E do cruel fado que me deixou
Nas ruas da amargura.
Tomás Vicente (ex-aluno)

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