15/08/13

Medo de Amar


É preciso perder o medo de amar. Acho que nos apagamos todos gradualmente, submergidos por convenções e restringindo a nossa liberdade e expressividade emocional por padrões estéreis. É preciso dar a volta a tal coisa, antes que percamos a nossa humanidade - há discórdia entre os filósofos acerca do que nos diferencia dos animais; quanto a mim, longe de ter a chave para o consenso, parece-me que partilho da opinião de Mark Rowlands, autor de O Filósofo e o Lobo: não somos assim tão diferentes. Mas aquilo que nos põe num patamar especial (ainda que não saibamos se somos os únicos seres disso capazes) é a capacidade de amar, de nutrir por outrem "sentimentos elevados".

Acho que nos deixamos amodorrar. Parece que, às vezes, perdemos até a capacidade de sentir aquilo que dizemos sentir, sentimos mais com a cabeça que com o coração. E é tudo mais movido por interesses e levado pelo vento. Ah...dizem que o mundo tem evoluído muito nos últimos século...em termos cognitivos, decerto; no que toca a termos emotivos, já é diferente, acho que éramos bastante mais "livres para sentir e amar" em épocas como a Idade Média. Talvez porque o contraste entre Bem e Mal nos permitia, então, distinguir bem as duas coisas, o amor do ódio e da crueldade, e, assim, optar mais solidamente por um ou por outro. Agora, há demasiadas subtilezas em tudo, demasiados subterfúgios e saídas de emergência para todas as situações, demasiados escapes pessoais, demasiada procura de conforto, demasiado egoísmo e cobardia...tornamo-nos, como civilização, gradualmente como aquele heterónimo de pessoa que não se permitia amar porque recusava sofrer. Meus amigos, se vamos por este caminho, vai deixar de haver esperança na e para a Humanidade.

Tenho que confessar que, até certo nível, começo a antipatizar com a expressão "eu gosto". Empregamo-la para tudo (mais uma vez se vê aqui a importância da língua: uniformização dos vocábulos empregues pressupõe uma amálgama e uma confusão entre os conceitos por eles expressos): para coisas, para ideias, para pessoas, para valores. Não pode ser. Há que perceber o que é gosto e o que é algo mais. Eu gosto de coisas. Sim, é um facto. Mas eu amo pessoas e valores: não gosto de uma pessoa como de um utensílio. Se começamos a confundir na expressão, confundimos no sentimento e esquecêmo-nos das diferenças. Gostar é muito superficial.

Ainda se diz (também, outra coisa quereria dizer que estamos muito mal) que se "ama" uma namorada/mulher ou, se for uma rapariga a falar, um namorado/marido. E até isto começa a esbater-se, lentamente. Já ninguém ouve dizer, comummente, "eu amo os meus irmãos" ou "eu amo os meus amigos". Porquê? Bem, pessoas retardadas começariam aqui a defender-se dizendo que, sobretudo esta última forma seria uma prova de homossexualidade subjacente. Tolices. Lembro aqui o livro de C.S.Lewis, grande filósofo inglês, The Four Loves. Para mim, há também diferentes tipos de amor: amor "sensual" (marido/mulher, namorado/namorada), amor "familiar" (dentro deste especificaria eu o "amor fraternal" e o "amor/devoção a familiares de gerações mais velhas ou mais novas"), o amor "ao colectivo" (que devotamos à humanidade em geral) e, por fim, a amizade. Sim, todos estes são tipos diferentes de amor, mas todos o são. 

Antevejo particular polémica no caso da amizade. Na verdade, é pena que esta estirpe de afecto profundo tenha caído quase no esquecimento, pois é um dos suportes da nossa integridade enquanto seres humanos. Curioso é verificar (o que reforça o que disse acima) que ao deixar-mos de afirmar afecto em relação pessoas que colocamos na categoria de amigos, tenhamos também desaprendido como é que isso se faz. Olhando à minha volta na escola vejo que a maior parte das pessoas já não sabe muito bem o que é a amizade. Não é algo circunstancial nem ocasional - muito menos interesseira! É algo perene e constante, uma base confiável. É melhor começarmos a pôr de lado os preconceitos e a ver com olhos de ver e a valorizar mais as pessoas e os valores em si mesmos. Afinal, no man is an island, mas também não somos bolas de ping-pong que correm de arquipélago para arquipélago! Não somos ilhas, mas somos unos em nós mesmos, logo devemos ser íntegros e não ter vergonha do nosso próprio coração!

Acho que não me poderia explicar melhor se disse mais, por isso, aqui fica apenas o meu desafio para gostarmos com mais intensidade e para perdermos os preconceitos que nos tornam ocos. Lembrai-vos todos: o que conta não é o que a mentalidade dominante pensa sobre nós mesmos e sobre a maneira como sentimos e como amamos. Todos temos de escolher entre fazer o que é certo e o que é fácil. É fácil ir na onda, cingirmo-nos a certos padrões; mas, pensando mais além, não colheremos frutos melhores se fizermos aquilo que realmente devemos fazer e que nos torna melhores pessoas? Percamos, pois, o vício de permanecer no limbo do gostar, entremos no num domínio mais profundo e percamos, pois, o medo de amar!

Sem comentários:

Enviar um comentário