02/04/12

Sequência poética 13

Poema ao que Não Vi
Na pressa de tudo preservar,
Na alva brancura do papel;
De lá guardar todo o mundo,
Este grande Universo alegre e salutar,
Usando apenas o doce lápis –
- Nunca o duro cinzel -,
E, depois de tanto retrato feito,
Tanto cenário lavrado,
Vejo, com desgosto e desespero,
Que tudo foi obliterado:
O quadro estava vazio.
É que pintei o que não vi
E o retrato ficou oco, desnudo;
Pintei os prados que não conheci
E, em vez da erva longa e dolente,
Ficou no quadro a espessa bruma dormente,
Névoa passageira que, depois de afastada,
Apenas deixa entrever o nada.
Ai de mim! Pintei como um cego,
Escrevi sem letras, sem encanto,
Pois, no frémito da loucura
De tudo registar,
Esqueci-me de observar.
Lanço, agora, a tinta e a caneta
Para o canto mais escuro,
Para onde olhar já não procuro.
Penso em abrir os olhos,
Ver maravilhas.
Que a velhice tenha
Mais lesta a destra mão,
A mina mais certeira,
Clara e pura a longa memória
De coisas que, através dos anos,
São pérolas fugidias;
Vibrante terá de ser a imaginação
E ainda forte o coração;
Que Freija e Ódin a mortal
Alma inspirem então
Com a perene, imortal
Dádiva da divagação.



Serra Verde
Eu conheço uma altiva serra
Que de muitas cores se compõe.
Pela manhã de branco manto
Se cobre, misteriosa de encanto;
Quando o sol se ergue, forte,
E desça do seu porte
As suaves e duras linhas graciosas,
O olhar vê aflorar rochas castanhas
Ou ondular verdes florestas
Onde as árvores cantam as façanhas
De Pã, senhor dos bosques.
Nada resta, então, da subtil
Manta matinal aveludada.
Tudo é força, tudo grandeza.
Mas, eis que o sol caminha
A passos firmes para lá do horizonte,
Emprestando agora a cor do fogo vivo
À montanha que meu olhar tem cativo.
Depois, extinto o fogo na lareira,
Olho a serra bela, antes trigueira,
Agora sem espinhaços despidos,
Sem rochosos afloramentos erguidos,
Agora de um tom suave e sonhador,
Não era verde-azulado
Ou azul-esverdeado,
Mas sei, no coração
Que era a cor de doce sonho são.
Ó serra maravilhosa, até à vista;
Prometo fielmente voltar,
Sem medo de à palavra dada faltar,
Pois a teus encantos não há quem resista,
Se pelos teus arvoredos já o olhar

Espraiou, desde os altos cabeços ao mar.



O Sonho Sonha Verdade
O sonho segue, diligente,
Os passos da imaginação,
Tocando apenas levemente
As raias da realidade, e docemente;
E, no entanto, o coração
Ou o espírito sonhador
Conhecem-na, sonhando, muito melhor
Que a própria Razão.


A Árvore
Estou sentado debaixo de uma árvore,
Um imponente espécime belo,
Que é como todas as árvores devem ser:
Denunciadora da Natureza inconquistada,
Vontade indómita de árvore.
Bebe-me os pensamentos e memórias,
Sentimentos e emoções;
Bebe tudo o que sou,
Bebe a minha nostalgia,
Por um tempo que passou;
Bebe-me a mim
De tal modo que dela
Me não posso já apartar.
Ai! Mas eis que, um dia,
Chegam duros algozes para a derrubar
A golpes de machado e de ódio,
Golpes feitos de azar e vão destino,
Que cortam a minha árvore
Mas, na sua cegueira,
Cortam-me também a mim.
Cortam-me as esperanças,
Dilaceram-me a vida
E, que já cortado estou em mil bocados,
Nunca me irei recuperar
Dos golpes suportados.


A Recordação que de nós me ficou
Correm as horas, os momentos,
Causando-me incontáveis sofrimentos
Pelo desaparecimento das tardes de alegria
E das doces manhãs de melancolia.
Parece-me que a vida breve foge,
Que se me escapa por entre os dedos
E, tentando agarrá-la, só agarro penedos
De duro e cruel esquecimento.
Os dias morrem e as noites nascem;
O mundo muda, rejuvenesce,
Mas eu não o acompanho,
Preferindo dos dias seguir o curso
E, a cada triste crepúsculo,
Morrer com eles a Ocidente.
Mas não posso eternamente perecer
Com o tempo que, para lá do mar;
Não posso perpetuamente perseguir
As recordações que tenho de ti,
Que lá longe se quedam,
Junto com os dias que perdi.
Já não vivo sob o mesmo sol
Debaixo do qual te vi rir e correr,
Cantar e chorar as agrestes tristezas,
Entristecer e alegrar pela vida que corria;
Já não são as mesmas árvores
Que vejo agora, a cada momento,
Que eram as que a nossa felicidade conheceram,
Pois há muito que se foram e não retornaram;
Já não é o mesmo Universo,
Aquele que connosco riu e se emocionou,
O que nos viu as pequenas e gigantescas alegrias,
Os grandes desgostos, as brincadeiras…
E, no entanto, ele lá está,
Onde então estava e sempre estará.
E, se o mundo não se transformou,
O que foi que aqui se alterou
Para já não ser este covil desnudado
O cristalino Mundo que nos abrigou?
A mudança deu-se em ti,
Pois há muito partiste
E ainda não voltaste.
Não te apresses, eu espero;
Espero pelo regresso,
Pelo dia que ainda não chegou.
Agora, suplantando a alegria antiga,
Me tem esta destruidora tristeza tomado,
Pois como posso eu seguir-te
Para além das fortes ondas do oceano,
Que não se fazem só de água e sal?
Assim, o teu regresso estou imaginando,
O dia em que alegria me virá do mar,
Do mar que ontem ma tirou.


Insónia
Noite. Desce a negra treva
Que do luar empresta o brilho ao breu
E dos céus a luz solar leva
Para a levar aonde já a lua se escondeu.
Por toda a parte o sono lesto enleva
A Natureza que, prestes, adormeceu.
Deitado na quente e macia cama
Sentindo do ar a dormente sonolência
Que me não chega, escuto o drama
Doce e mudo da noctívaga demência
Daqueles que o sono não ama.
Eu sou um deles, embalo-me nessa cadência.

Há em tudo, lá fora, a música sobrenatural,
Nocturna, do tamborilar da chuva, que fustiga
Janelas e estores, impedindo que o intemporal
E frágil casamento do luar com o silêncio prossiga
E, do âmago desconhecido da noite animal
Compõe-se esta apaixonada cantiga.
Os dedinhos dos génios da chuva fria,
Matraqueiam, traquinas, nos beirais;
Caem gotas de esbelta forma esguia,
Mais céleres que lestos pardais,
Compondo na noite mosaicos e cortinas irreais,
Banhados pela luz misteriosa do luar.

Tal como os construtores de catedrais,
Sempre a chuva conta belas e longas histórias,
Desenhando-as nos seus oníricos vitrais,
Que atiçam idas, longínquas e doces memórias
De alegres anos há muito passados, nunca iguais,
De longínquas realidades ilusórias.
E nas tilintantes e argênteas gotas de chuva,
Sabiamente moldadas nos contornos de uma uva,
Contam-se os secretos sonhos da noite,
Que dançam com o luar, que reclama
Para a pálida luz tudo o que no escuro se acoite.

O sono é inexorável, ainda não me chama,
Mas deixo-me ficar na aconchegante cama
A ouvir o que me dizem as vozes da noite.
Tomás Vicente (ex-aluno)

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