28/01/14

Reflexão sobre a escola

Pouco habilitado que estou a discorrer acerca das características da obra de Vergílio Ferreira, rica, variada e, acima de tudo, profunda, opto por, neste texto, procurar refúgio na análise de um seu pensamento, extraído do quinto volume do diário Conta-Corrente, que proponho como mote para a presente reflexão: “Morreremos sem conhecer uma fracção grande de nós. E isto apenas porque ela não teve oportunidade de se manifestar. Eis porque, por exemplo, nem todos sabem de si que são heróis, ou cobardes.”
Num mundo como o nosso, generalizado que está um certo automatismo do homem na vida em sociedade, o qual parece acarretar uma certa fragilidade identitária pessoal, torna-se premente a colocação de certas questões centrais na definição da vida de todo o ser humano
- Quem sou eu?
- O que é a vida?
- Para onde estou a ir?
- De que modo me relaciono com o que me rodeia?
Incentivados, pelos vectores sonâmbulos que parecem dirigir a vivência moderna de se ser com os outros, é da maior importância a construção de uma visão crítica, a estimulação do desenvolvimento assíduo de um questionamento do mundo que nos rodeia e do nosso lugar nele. Tanto ou mesmo mais do que as respostas em si, importam as perguntas, importa abrir os olhos para a descodificação do real.
Neste processo de obtenção de competências para um diálogo com a vida em todos os seus múltiplos aspectos, a escola ocupa o lugar de destaque, sendo o elemento-chave no complexo percurso de despertar para a estruturação de uma consciência individual válida. Tende a ser esquecido, na sangria (des)informativa dos media, um princípio importante que subjaz, como fundador, a noção de escola: ainda que instrução signifique sempre, de algum modo, uma dose de formatação, o facto é que este espaço não se destina, na sua primordial razão de ser, a uma formatação limitadora do pensamento ou à imposição de uma dada dose de conteúdos pré-digeridos, antes tendo em vista a transmissão de um conjunto de conhecimentos fundamentais e, sobretudo, de ferramentas e técnicas necessárias para um contínuo aperfeiçoamento individual, tanto a nível intelectual como a nível humano, aperfeiçoamento esse que nunca está terminado.
Do ideal à prática irá, decerto, uma considerável distância e ainda que nessa distância muito se perca, mas, se é legítimo afirmar que o saber está ou pode estar ao serviço do auto-conhecimento, é nessa distância que o esboço do grande projecto que é viver se concretiza. Neste âmbito cabe, pois, aqui, verbalizar apreço pelo posicionamento da nossa escola como um estabelecimento que pugna, sempre e de modo incansável, pela dedicação dos profissionais que nele trabalham e pela coesão dos elementos constituintes da comunidade escolar no sentido de proporcionar, se não um desenvolvimento prático, pelo menos uma consciencialização para o multifacetado elenco de potencialidades dos discentes que fruem desta instrução, de modo que, se não pudermos todos confirmar que somos heróis, para usar o exemplo de Vergílio Ferreira, possamos, ao menos, constatar que somos verdadeiros homens e mulheres despertos para o conhecimento e para a busca de aperfeiçoamento – e, por tal, humanamente ricos-, o verdadeiro tesouro de qualquer sociedade.
Deste modo, no dia em que se comemora o aniversário do escritor patrono, é preciso dar os parabéns à Escola Secundária de Vergílio Ferreira, uma escola que, como escola que é, não existe em si, antes é concretizada na prática através da acção dos seus elementos humanos, na confiança de que, traga o futuro o que trouxer, tal espírito se perpetue como uma garantia em tempos felizes e como um farol nos dias menos felizes – e sempre, sempre, como uma disciplina de acção.


Tomás Vicente Ferreira (ex-aluno)

[artigo escrito para o número 11/12 da revista Opsis]

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