12/01/14

Um poema sobre a nossa biblioteca

Quando as folhas caem no Outono,
Corando o chão de vermelhos e castanhos;
Quando os campos tombam no sono
E o vento zune nos despidos lenhos
Das árvores, esguios e melancólicos;
Quando o Inverno adormece as terras,
Embalando-a com poemas bucólicos,
Promessas do futuro verde das serras;

Quando a chuva bate os caminhos,
Na esteira do nostálgico viajante,
Sento-me, defronte dos pergaminhos,
Nesta sala quente e aconchegante,
Ouvindo dos livros os doces murmúrios,
Aninhado num fofo e azul assento,
E componho destes versos os augúrios
No segredo do meu pensamento.

O poema é ainda uma música secreta,
Uma fonte que brota silenciosamente.
Não tem outra que não seja a meta,
Escolhida do coração, que livremente
É louvar o que a alma, discreta, ama;
É ainda uma semente, que planta
Se tornará em breve, verde chama
Que dirá ao poeta a verdade do que canta.
Não peço, em loquaz e ledo desespero,
Às belas Tágides do esverdeado rio
Que, divino auxílio, me dêem o que quero,
Nem a nenhum outro deus poético e sadio;
Peço apenas à Natura que, se já o Inverno
Me deu tão generosamente, cantando,
Me dê de vento um suave sopro terno
Para dele se ir meu poema alimentando!

Olho em redor da sala, há muito conhecida
E sempre para o espírito certo conforto,
Porquanto a biblioteca adormecida
Guarda mais que livros, é um horto
De serenas esperanças e de mágicas
Deambulações por esse rotundo universo
De belas, elevadas, seguras e letárgicas
Divagações, que hoje conto em verso!

Que sítio este, baluarte da doce fantasia,
Eterno e eloquente contentamento
Para quem vive num mundo que se extravia!
Sonhar aqui apazigua o espírito sedento
Da liberdade sublime de imaginar,
Uma fome implacável e devoradora
Que, se não caio no erro de exagerar,
É do Homem feroz e dedicada protectora.

Nada de melhor tenho para dar
A um passante espírito amigo
Que a possibilidade de escutar
As recordações que trago comigo
De um lugar acolhedor, magnífico,
Onde realidade e sonho se misturam
Num ambiente agradável e prolífico,
Fervilhante da criatividade que procuram!

Vejo, inspiradoras, à frente dos olhos
Os pequenos gestos do quotidiano,
Memórias saltitantes, aos molhos,
Que me causam alegre deleite quase insano;
Vejo das entradas e saídas a dança,
Frenética e abundante em inocente urgência;
Vejo os sonhos caminhar com esperança
De serem aconselhados com sapiência;

Vejo um professor escrever no livro de ponto - 
- Um ritual, ritmado gesto rotineiro -,
Enquanto ditando, segura, o contraponto
Está a música imaginativa, que, marinheiro
Na crista da vaga, vai, calmante, pelo ar
Ondulando, qual fénix queda no olvido,
Que, pela sala, sempre continua a ecoar
A súplica de um livro que não foi ouvido;

Vejo o dia alongar-se numa tarde serena
E alguém que, lendo, se inclina para o lado,
Comentando que é sempre uma pena
Ver o fim de uma história anunciado;
Partilham-se alegrias e preocupações,
Guardam-se dádivas sublimes e preciosas
Trocam-se ideias, alegremente, e impressões;
Intercâmbio de almas amistosas;

A Biblioteca conta histórias e murmura,
Canta a quem passa trovas divertidas,
Cativando-nos com uma atracção segura;
Ali, num reduto de quimeras vertidas
Para o papel, da ficção um firme bastião,
As paredes cantam, páginas dedilham baixinho
Um harpa de devaneios, que breve eclodirão
Num restolhar de vida e cor, suave burburinho;

Compõe-se assim o meu refúgio maravilhoso,
De pequenos gestos, algum só esboçados,
De ideias, de livros, de sonho deleitoso;
Como são fortes os laços encantados
Que criamos com esta idílica realidade,
Rematada por uma sublime aura desprendida
Das macias páginas dos volumes da humanidade,
Que, com alegria, cantam o mistério da vida!

 Tomás Vicente (ex-aluno)

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