24/10/14

Em Busca do Tempo - um artigo de Pedro Mexia

Em Busca do Tempo
por Pedro Mexia
Acerca do tempo, leio Bergson, ou Proust, ou Dick, ou os físicos, mas volto, uma e outra vez, ao texto inaugural de Agostinho, bispo, santo e génio: "Mas, então, o que é o tempo? Se ninguém me perguntar, eu sei bem o que é; mas se me perguntarem, e eu tentar explicar, vejo que não sei". 

Eu vivo obcecado com o tempo. Com a substância do tempo, a concepção de tempo, as convenções do tempo, a passagem do tempo, os efeitos do tempo, tudo o que tenha a ver com o tempo me deixa inquieto ou fascinado. E sei que o essencial vem em Agostinho, nas "Confissões", escritas há mais de mil e quinhentos anos: "O que é então o tempo? Quem o poderá dizer com clareza e em poucas palavras? E quem será capaz de compreender bem aquilo a que se refere? Não há nada tão conhecido como o tempo, nada que esteja tão presente no nosso discurso; e, quando falamos dele, entendemos sem sombra de dúvida do que estamos a falar, e entendemos também o que os outros nos dizem quando falam desse assunto." Mas não, não entendemos: falamos de outras coisas quando falamos do "tempo", uma vez que não conseguimos sequer conceber o que seja "o tempo": "Assim, quando nos contam coisas passadas (...), essas coisas vêm da memória, não das próprias coisas que se passaram mas das palavras que tirámos das imagens dessas mesmas coisas, que, atravessando os nossos sentidos, imprimiram no nosso espírito os seus traços e vestígios."

Deus é, para o cristão Agostinho, o criador de todas as coisas, e, portanto, o criador do tempo. Mas pergunta-se o bispo africano: como é que isso aconteceu?, o que é que havia antes de haver mundo e criaturas?, e tempo? Agostinho sabe que Deus criou o mundo, mas quer perceber mais coisas, quase pede desculpa por esse irreprimível desejo. Como é que o mundo foi criado? E, antes de criar o mundo, o que é que Deus fazia? O Criador talvez tenha feito tudo a partir do nada, porque nada existia, não havia matéria, apenas o Verbo, isto é, a vontade eterna. Deus estava antes do tempo, existia em estabilidade imutável, num eterno hoje, numa eternidade sempre presente. Não se concebe "um tempo" em que Deus não "fizesse" nada, justamente porque antes daquilo a que chamamos "a criação" não existia "o tempo". O tempo é uma coisa criada. É uma criatura, como nós. 

Como todas as pessoas [que(?)] têm angústias acerca do tempo, Agostinho faz perguntas sobre o sentido, o porquê. Porquê criar o mundo e o tempo? Algumas pessoas perguntam-se se Deus experimentou "qualquer movimento novo", "qualquer nova vontade que O levou a dar existência" às criaturas. Mas como é que na "eternidade" em que Deus vive se manifesta uma vontade ou um movimento? "Porque a vontade de Deus não é uma criatura, mas está antes de todas as criaturas", e "nada seria criado se a vontade do Criador não precedesse essa criação". Portanto, diz Agostinho, "a vontade de Deus" é a sua própria substância: "(...) Se aconteceu alguma coisa na substância de Deus que não se tinha manifestado anteriormente, não podemos na verdade dizer que essa substância fosse eterna. Se a vontade de Deus tivesse querido, desde sempre, que existissem criaturas, porque é que essas criaturas não são também elas eternas?" Terrível pergunta.

Claro que "medimos" o tempo, em minutos, dias, meses, anos. E medimos espaços, contamos sílabas, ouvimos silêncios, assistimos ao movimento dos corpos e dos astros. Mas o "movimento", defende Agostinho, não é o tempo, é apenas uma sua manifestação. E as nossas "comparações" são casuísticas, incompletas, inconclusivas. Além de que só podemos "medir" coisas presentes, coisas que estão a acontecer agora, que podemos seguir em todo o seu percurso. Medimos, na verdade, sem conhecermos quem medimos, medimos as manifestações precárias do tempo, não o próprio tempo. O tempo é uma "duração", mas duração de quê? Há um lugar-comum inevitável: o passado já passou, o presente torna-se de imediato passado e o futuro ainda não aconteceu. Por isso, Agostinho sente-se uma criança, a quem se ensina que o presente estava escondido algures, aparece de repente e vai-se logo embora: "(...) Não podemos dizer o que o tempo é, uma vez que, em geral, ele já não é." Tenho uma enorme reverência por este texto porque é um denso ensaio cosmogónico e teológico, mas ao mesmo tempo uma súplica, uma ânsia. E inclui a mais cristã de todas as perguntas:"Temos de esperar pelo fim dos tempos para saber o que é o tempo?"

Agostinho sabe que isto é a pergunta de uma simples criatura, pois o criador no qual acreditava habita a eternidade, enquanto nós vivemos num presente que não entendemos, assombrados por um "passado apagado pelo futuro" e um "futuro que se sucede ao passado". Sabemos que aconteceram, acontecem e acontecerão fenómenos, e alguns até os podemos prever, como a alvorada, embora só os conheçamos quando eles de facto acontecem. Porque, se não compreendemos o que é o tempo, temos pelo menos a memória. Imagens da infância, por exemplo, que continuam no nosso espírito apesar de toda a nossa ignorância e mesquinhez. Não há passado, mas lembrança; não há presente, mas atenção; não há futuro, mas espera. Ou, como diz Agostinho, "o presente das coisas passadas, o presente das coisas presentes e o presente das coisas futuras".

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