08/06/12

Poema de Desespero

 “Nothing is ever settled until it is settled right”

Parte I - O Ogre Mau
O ogre mau em feio castelo
cuida ter-me bem preso.
Mas eu, coração aceso,
Antes que ele cutelo
possa ferozmente brandir
ou tenazmente me perseguir
ou mesmo erguer sequer
aquele seu torto olhar maldoso,
escapar-me-ei para onde houver
outro ar mais puro, luminoso,
limpo do mal e da mentira.
Pode o meu carcereiro
tudo me tomar, matreiro,
mas essa certeza me não tira,
que teria de me arrancar
primeiro o tremente coração,
coisa que não fará, não,
por ora, pois que engendrar
quer outras artimanhas,
que de desgosto não lhe basta matar
quem enganou com burlas e manhas:
Irás, ogre, me nas masmorras torturar,
que assim, sozinho, me apanhas!
No entanto,agora está o céu cinzento,
parecendo de meu sangue sedento
estar de tal modo agourento
que me tira, por momentos,
coragem, juízo e pensamento!
Oh, mas que fingimentos -
até do céu truculento!
Pensam enganar-me continuamente
com ilusões da minha fraqueza,
mas os engana essa avareza,
pois sei de minha força escondida
nalgum fundo calabouço ou poço
da minha alma mas perdida
não está, que em pensamento roço
essa outra parte da minha vida.
Sei que, se essa força eu tomar,
estes fortes muros irei derrubar,
não de fora mas de dentro;
eu, que de tudo isto sou o centro,
no castelo prisioneiro e castelão.
Deste modo considerado, até o ogre cruel
não é mais que artigo supérfluo de decoração,
como um jarro, marfim ou um anel.


II - A Força Desencontrada
Ninguém me disse, não,
e eu, que ceguei à nascença -
- pois cego é quem em alheia mão
confia todas as chaves daquele secreto abrigo,
o reduto que na alma traz consigo -,
não posso ver tenho de tactear com o bordão
E, no entanto, creio haver para mim,
lá fora, campos e alegres arvoredos,
da Natura doce um luminoso festim;
algo mais que estes duros penedos
e paredes com que o ogre me encerra em mim.
Mas quem a tal graça aspira
ao sonho e ao medo não se pode entregar,
que deita fogo à própria pira
se, esquecido da realidade,
no mar dos sonhos a navegar
se lançar, em sequiosa necessidade;
parar não posso a meio do caminho
pois, prestes, o ogre acorre com novas
grilhetas e, na sala das torturas,
um fundo, nojento e odioso quartinho,
me sujeita a alma a novos danos, novas "sovas"
mascaradas vindo de graças e farturas.
Quem o prémio almeja
muito tem de lutar pelo que deseja.
E, mesmo exausto de muita peleja,
parece que não pode descansar.

                                      
III - Fogo e Cinzas
Agora, porém, é chegada a hora
de, por fim, as cadeias quebrar,
o momento de a força esquecida convocar!
É tempo de ir ver onde ancora
a felicidade de ser-se somente,
de viver-se um breve minuto,
escasso tempo diminuto,
tão fértil e intensamente
como se se vivesse eternamente!
Não serei sempre jovem,
não estarei sempre contente,
mas ao menos saberei que vivo
- viverei! - no mundo que me convém,
onde há, felizmente,
quem admirar com contemplativo
olhar de poeta campestre,
em todas as artes de viver douto mestre.
Clamo, alegremente, com vozeirão campesino:
Vinde Vida, vinde Coragem,
vinde Esperança, vinde Humanidade,
vinde bom ou mau destino
meu! Vinde ver a primavera do Mundo
antes que a efémera minha
perca o sangue vivo e o sentir profundo
e, numa lenta, doce nostalgia minha,
se funda e revolteie na recordação;
vinde ver o que há lá fora,
antes que o Inverno ao Verão
suceda, vinde ver onde mora
o fim desta nova imensidão;
vinde, agora, apaixonado vos rogo,
antes que o exuberante fogo
em cinzas se converta...
varridas pela efémera e macia aragem
que, lesta, entra pela janela aberta! ....



 T.F.

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