10/06/11

A "Degeneração Literária" e os Seus Efeitos



"Quem consegue, ainda, distinguir a diferença entre um bom e um mau livro? Quem se preocupa, nos dias de hoje, em perceber – e avaliá-lo de acordo com essa percepção – se um determinado volume está bem ou mal escrito – ou seja, se a sua forma é consistente – e se o seu conteúdo é ou não superficial? Em suma, quem se preocupa, nos dias que correm, em saber se o livro que está a ler tem valor – tem mérito – ou é, simplesmente, uma “bugiganga de papel”? São cada vez menos as pessoas que têm estes aspectos em atenção, o que, penso eu, só pode ser uma triste consequência da mentalidade que acompanha o actual declínio dos nossos valores sociais e morais (e nasce dele) – não nos iludamos, pois todos os sintomas visíveis de “enfraquecimento” intelectual e moral são faces da mesma moeda, são as diferentes cabeças da hidra.

Quando lemos, não devemos pensar que o exemplar que temos em mãos é um bom livro apenas porque cumpre com razoável eficácia a função, meramente lúdica, de nos distrair por umas horas ou pelo facto de o lermos “fluentemente”. É preciso exigir um pouco mais - de nós e do livro, mas quando não exigimos de nós não conseguimos exigir do livro!

Tenho constatado, na escola, que, quase sempre, os livros mais requisitados são, deveras, literatura muito pobre. Dou como exemplo a série O Capitão Cuecas, que deve ser a mais requisitada de todas a colecções, nas bibliotecas escolares. É certo que o mercado livreiro está inundado de livros (na sua maioria, assustadoramente recentes) sem qualidade. Mas a culpa não é só de quem os escreve e os publica, é também de quem lê.

É certo que, com a mass culture/mass media e a globalização, perde-se, em grande parte, profundidade de conhecimento em prol da excessiva necessidade de divulgação. Mas alto aí! É possível desenvolver, ainda, livros de grande qualidade. O problema é que, no nosso tempo, dá-se a infelicidade de muitos autores sacrificarem a qualidade em prol da fama; isto porque, no nosso tempo, o grande público não exige qualidade, exige facilidade. Se um livro estiver bem escrito, coerente, com uma mensagem consistente e profunda e exigir ao leitor um conhecimento (necessariamente) maior e um mais abrangente vocabulário, a maior parte das pessoas vai preteri-lo em relação a outro que, tendo uma prosa fraca e exigindo menos concentração/reflexão – ou seja, exigindo menos “uso do cérebro” -, será muito mais fácil de ler.

Esta “preguiça mental” é uma doença que se manifesta de muitas maneiras e que só pode ser combatida através da educação. Mas, não sendo combatida em casa, como podem os professores ajudar a fazê-lo na escola, quando os programas exigem muito pouco dos alunos e a maioria dos pais exige ainda menos? Neste cenário, a iniciativa tem de partir dos próprios alunos, que precisam urgentemente de mudar a sua posição face à aprendizagem e ao saber. A meta não pode ser passar de ano, tem que ser a aquisição de tanto conhecimento e cultura geral quanto possível e, acima de tudo, é fundamental exigirmos mais de nós próprios. Além disso, só entrando neste bom caminho é que podemos continuar manter o nosso barco na rota certa; não esqueçamos que aquilo que nos diferencia dos animais é a capacidade de juízo profundo, baseado no saber e na auto-exigência; a capacidade de sentir emoções elevadas (superiores às dos animais) e, por fim, a nossa gnose. Sem gnose, a inteligência não é mais que esperteza tacanha.

“Avizinha-se a hora de escolher entre o que é fácil e o que é certo”, li eu algures. Esta frase faz todo o sentido no contexto deste problema. A decisão cabe a todos nós e decidirá o nosso futuro enquanto sociedade e a nossa qualidade enquanto pessoas. Deixará o ser humano de ser admirável? É bem possível, caso a maioria não mude de rumo, porque, como já mencionei, a hidra tem muitas cabeças, que nos estão sempre a aparecer à frente. E onde está Hércules?"
               
Tomás Vicente  (ex-aluno)

Sem comentários:

Enviar um comentário