A
Velha Macieira
Em
tempos que já lá vão – e já lá vão há muito tempo -, existiu um sítio chamado
Cabeço das Macieiras. Era um pequeno monte verdejante onde só cresciam
macieiras – na verdade também lá existiam umas quantas pereiras raquíticas, mas
esse é um pormenor que as histórias não contam, pois eram tão pequenas que
ninguém reparava nelas e, nesse aspecto, algumas histórias são piores do que os
comuns observadores, só reparam no que é mesmo grande e óbvio. Continuando…
Nunca
ninguém soube porque é que, naquele tempo, só ali havia dessas árvores; o que é
certo é que elas reinaram ali de forma absoluta durante muito tempo. Mas, tal
como acontece na História, nenhum reinado dura eternamente e chegou um ano em
que as macieiras começaram a dar lugar a outras árvores, na sua maioria de
pequeno porte e pouco frondosas, daquelas árvores jovens e impetuosas, para
além de resinosas, que não dão uma para a caixa.
Foi
assim que chegou o tempo em que apenas restava uma macieira, muito velha e
curvada. Era sólida como um castelo e ia resistindo como podia aos assédios das
outras plantas atrevidas, que procuravam mais espaço e que, na busca da
expansão desejada – não que espaço fosse coisa que lhes faltasse! – não
hesitavam em incomodar todos os seres vivos em redor.
Passado
um certo tempo, começou a desenvolver-se junto à anciã uma pequena laranjeira –
sabe-se lá como fora ali parar! Era uma planta muito azeda e até as suas
laranjas amargavam. Queria à viva força que a macieira, que era uma idosa, lhe
cedesse mais espaço. Mas a pobre árvore estava velha demais para acatar ordens
de plantas adolescentes com a impertinência à flor da pele e não se mudou –
como é natural, sendo uma árvore nunca seria bem sucedida na tarefa de mudar de
casa por sua própria conta e risco, sem a ajuda de um humano, que eram, como
ela própria dizia, bichinhos muito engraçados e cheios de genica, mas o que
conta é o gesto. O tempo foi passando e a laranjeira, não conseguindo levar a
velha árvore a mover-se, decidiu obrigá-la. Durante muito tempo esforçou-se por
empurrar a árvore mais antiga, sem que alcançasse outro resultado que não fosse
extenuar-se a si mesma. A velhota era demasiado rija para poder ser desalojada
assim. Tanto os seus esforços se revelaram infrutíferos que a laranjeira acabou
por desistir. Era escusado persistir e até uma árvore daquele calibre,
retorcida como era, teve de o admitir
No
entanto, passadas semanas, houve um vendaval terrível que fustigou todo o
Cabeço das Macieiras, ao qual assentava, agora, melhor o nome de Cabeço Quase
Sem Macieiras. A velha macieira não se deixou derrotar e resistiu heroicamente
à tempestade, protegendo a planta mais nova, que se acoitara a seu lado.
Contudo, a luta contra os ventos fatigou muito a anciã, que caiu passados
poucos dias.
Quando
tal aconteceu, a laranjeira exultou de alegria, pulou (tanto quanto a uma
árvore o é possível fazer) e bailou, sem se aperceber, pobre palerma, de que a
sua própria sepultura estava já cavada: enquanto existira, a macieira protegera-a
das intempéries, mas, agora, nada havia entre ela e o vento, que a levou pouco
depois, arrancando à terra as suas raízes tenras.
Tomás Vicente (ex-aluno)
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