Aqui republicamos os poemas escritos por alguns nossos antigos alunos acerca da entrada em vigor do Acordo Ortográfico de 1990, como seguimento à fina ironia crítica do professor Joaquim Marques.
I
A Língua Mutilada
A minha pobre Língua
Está a ser duramente atacada,
Sem dó nem piedade.
Mutilada.
Ó Língua Portuguesa,
Coitada de ti,
Que és ferida por muitos
gumes.
Coitados os que te prezam,
Pois sentem-se fervilhar
De angústia e raiva!
Ultraje!
Quem são os inimigos nesta
guerra?
Isso não sei ao certo, não o
posso dizer.
Apenas sei que são muitos,
São néscios e matreiros,
Deslizam nas sombras da
ignorância
E acoitam-se nas trevas
impenetráveis
À espera da tua noite,
Que rápida chega.
Como pôde isto acontecer?
Isso é mistério maior
Que a minha arte de
adivinhar,
Pois ainda hoje estou para
saber
Como conseguiu o Acordo
triunfar.
Onde já se viu isto?
A nossa nobre língua
transformada
Num monte de ortográfico
lixo
E para sempre à calinada
condenada!?
E que fiquem sabendo
Que o “p” e o “c” nunca
hei-de separar!
E outros erros vergonhosos
Não irei, silencioso,
aceitar.
E, se o meu grito de guerra
Não chegar aos ouvidos
certos,
Que fique, ao menos, rouco
de tanto gritar!
Com essas e outras
palermices
Não hei-de eu concordar
E, como disse o esperto
Aleixo,
A razão, mesmo vencida,
Não deixa de ser Razão!
Ricardo Valente
II
Perguntem ao Verbo!
Mentem aqueles que dizem
Que estranhas deformações
Infligidas ao nosso
Português
Não são mais que necessárias
correcções;
Gostava de saber onde vai
isto parar
Se a sério tomam todo o
indivíduo
Que sua teoria não sabe
fundamentar
Nem aquilo que já existe
aceitar.
Gostava de saber onde vai
isto parar
Se já por verdade da língua
se toma
Aquilo que alguém inventa
Em obscuras horas ociosas.
Já não sei o que mais pode
piorar
Se deixamos disseminar
Incoerentes ideias
De pessoas que se perdem nas
próprias teias
E que nem ao verbo sabem
perguntar
O que a seguir hão-de
colocar!
Ricardo Valente
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