Recentemente, escrevi para a fadista Débora Rodrigues um poema de fado cujo resultado considero particularmente interessante e que me deu muito trabalho.
Explico porquê.
O fado tradicional e historicamente marcado que narrava acontecimentos trágicos com enredos de morte e de crime, de orfandade , de suícidios em desespeo e de amores dramáticos, teve uma expressão considerável num tempo em que o universo de referência de fadistas e poetas populares era apenas a vida do seu bairro.
Nesse tempo em que os jornais eram raros e pouco lidos, a telefonia pouco ouvida, o fado noticiava e espalhava os acontecimentos pungentes que emocionavam a gente que era deles testemunha e vizinha
Há um mítico acontecimento na nossa História - O amor de Pedro e Inês - que de forma recorrente romancistas e poetas recuperam, alterando e enriquecendo pela ficção o seu contexto histórico
O que tentei eu fazer neste poema "Fala de Inês para Pedro " ?
Precisamente recuperar o dramatismo e a tragédia tão frequentemente cantados nessa época a que me referi, dando-lhe uma referência a que todos os portugueses impressiona e encanta, com uma linguagem poética contemporânea, recorrendo a imagens e termos mais trabalhados. Não foi fácil pois o desafio era arriscado.
Se consegui, digam-me os meus caros leitores
( no fado Vianinha)
Fala de Inês para Pedro
Dão-me a morte por te querer
e tiram-me o céu também
O mal que me faz morrer
é o mal de te querer bem
Se meus beijos condenados
não sabem dos teus perdidos
antes meus olhos fechados
do que em alerta os sentidos
Antes o coração em ferida
que de ti as mãos vazias
antes não ter minha a vida
que de ti não ter teus dias
Se me levam teus abraços
eu pela morte imploro
se não te dão os meus passos
- Corra meu sangue e teu choro!
Joaquim Nogueira Marques
Nota do Prof. J. N. Marques:
Para quem não esteja familiarizado com as estruturas melódicas dos vários fados clássicos,
em vídeo anexo a Senhora Dona Maria Teresa de Noronha interpreta o fado Vianinha. É esta a melodia e estrutura que vai vestir a Fala de Inês . ( este é um procedimento comum entre os poetas de fado; escrever os seus temas pensando desde logo em que fado clássico será cantado)
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