Pouco
habilitado que estou a discorrer acerca das características da obra de Vergílio
Ferreira, rica, variada e, acima de tudo, profunda, opto por, neste texto,
procurar refúgio na análise de um seu pensamento, extraído do quinto volume do
diário Conta-Corrente, que proponho
como mote para a presente reflexão: “Morreremos sem conhecer uma fracção grande
de nós. E isto apenas porque ela não teve oportunidade de se manifestar. Eis
porque, por exemplo, nem todos sabem de si que são heróis, ou cobardes.”
Num
mundo como o nosso, generalizado que está um certo automatismo do homem na vida
em sociedade, o qual parece acarretar uma certa fragilidade identitária
pessoal, torna-se premente a colocação de certas questões centrais na definição
da vida de todo o ser humano
- Quem
sou eu?
- O
que é a vida?
- Para
onde estou a ir?
- De
que modo me relaciono com o que me rodeia?
Incentivados,
pelos vectores sonâmbulos que parecem dirigir a vivência moderna de se ser com
os outros, é da maior importância a construção de uma visão crítica, a
estimulação do desenvolvimento assíduo de um questionamento do mundo que nos
rodeia e do nosso lugar nele. Tanto ou mesmo mais do que as respostas em si,
importam as perguntas, importa abrir os olhos para a descodificação do real.
Neste
processo de obtenção de competências para um diálogo com a vida em todos os
seus múltiplos aspectos, a escola ocupa o lugar de destaque, sendo o
elemento-chave no complexo percurso de despertar para a estruturação de uma
consciência individual válida. Tende a ser esquecido, na sangria (des)informativa
dos media, um princípio importante que subjaz, como fundador, a noção de
escola: ainda que instrução signifique sempre, de algum modo, uma dose de
formatação, o facto é que este espaço não se destina, na sua primordial razão
de ser, a uma formatação limitadora do pensamento ou à imposição de uma dada
dose de conteúdos pré-digeridos, antes tendo em vista a transmissão de um
conjunto de conhecimentos fundamentais e, sobretudo, de ferramentas e técnicas
necessárias para um contínuo aperfeiçoamento individual, tanto a nível
intelectual como a nível humano, aperfeiçoamento esse que nunca está terminado.
Do
ideal à prática irá, decerto, uma considerável distância e ainda que nessa
distância muito se perca, mas, se é legítimo afirmar que o saber está ou pode
estar ao serviço do auto-conhecimento, é nessa distância que o esboço do grande
projecto que é viver se concretiza. Neste âmbito cabe, pois, aqui, verbalizar
apreço pelo posicionamento da nossa escola como um estabelecimento que pugna,
sempre e de modo incansável, pela dedicação dos profissionais que nele
trabalham e pela coesão dos elementos constituintes da comunidade escolar no
sentido de proporcionar, se não um desenvolvimento prático, pelo menos uma consciencialização
para o multifacetado elenco de potencialidades dos discentes que fruem desta
instrução, de modo que, se não pudermos todos confirmar que somos heróis, para
usar o exemplo de Vergílio Ferreira, possamos, ao menos, constatar que somos
verdadeiros homens e mulheres despertos para o conhecimento e para a busca de
aperfeiçoamento – e, por tal, humanamente ricos-, o verdadeiro tesouro de
qualquer sociedade.
Deste
modo, no dia em que se comemora o aniversário do escritor patrono, é preciso
dar os parabéns à Escola Secundária de Vergílio Ferreira, uma escola que, como
escola que é, não existe em si, antes é concretizada na prática através da
acção dos seus elementos humanos, na confiança de que, traga o futuro o que
trouxer, tal espírito se perpetue como uma garantia em tempos felizes e como um
farol nos dias menos felizes – e sempre, sempre, como uma disciplina de acção.
Tomás
Vicente Ferreira (ex-aluno)
[artigo escrito para o número 11/12 da revista Opsis]
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