[apresentamos abaixo uma adaptação teatral do episódio da Gruta de Polifemo, retirado do livro Ulisses, de Maria Alberta Menéres, feita pelo nosso ex-aluno Tomás Vicente]
Ulisses
e Polifemo
Acto I
Ulisses e os seus marinheiros regressam a
casa depois da guerra de Tróia, que demorou dez anos. Na viagem de regresso,
são desviados da rota para Ítaca e chegam ao arquipélago da Ciclópia, onde
vivem os ciclopes, filhos de Posídon. Passam ao largo de uma das ilhas e
Ulisses dá ordens para que ancorem o navio. Os marinheiros estão aterrados pela
ideia de monstros enormes com um só olho na testa mas Ulisses diz…
Cena I
Ulisses
–
Não tenhais medo! Eu conheço este arquipélago, pois já aqui passei ao largo
antes! Esta é a única ilha em toda a Ciclópia que não é habitada!
Acto
II
Os marinheiros desembarcam e começam a
explorar a ilha em busca de comida e de uma nascente de água doce. Ulisses
ordena-lhes que tragam com eles um dos barris de vinho que têm a bordo, para o
caso de pernoitarem em terra. Quando o sol atingiu o zénite, procuraram abrigo
numa gruta e adormeceram. Só despertaram ao anoitecer e, quando se preparavam
para correr de volta ao navio, foram apanhados de surpresa pela entrada de um
grande rebanho e dum enorme ciclope. Este gigante chamava-se Polifemo e tinha
sido mandado para ali pelos seus irmãos por causa do seu mau génio inigualável
e da sua ferocidade, que assustava até os seus semelhantes.
Cena I
Marinheiros – (assustados) Um ciclope! Um ciclope!
Polifemo – (acordando) Homens! HOMENS! HOMENS!
Arrggg…! (pega num pedregulho enorme de
sela a entrada da gruta)
(Os
marinheiros apavorados começam a correr em todas as direcções, enquanto o
monstro os vai apanhando um a um e, num piscar de olhos, os faz desaparecer
pela sua goela abaixo…tantos devorou que teve de sentar. Ulisses, sempre
astuto, vendo-o mais calmo, acercou-se dele)
Ulisses – (fingindo admiração e reverência) Ó grande ciclope, não me comas!
Tenho uma oferenda para te fazer.
Polifemo – Oferenda? Que é
isso? Que me queres tu? Dize rápido, que não sou paciente!
Ulisses – Ó grande ciclope,
depois de um banquete tão grande, com certeza estás com sede…
Polifemo – (interrompendo) Pois estou, mas se
pensas que vos vou abrir a porta e vos deixo escapar, pensa melhor, que não me
consegues enganar!
Ulisses – (obsequioso) Um homem não pode enganar os filhos de Posídon! O que
eu quero fazer-te é uma oferenda! Tenho aqui um barril de vinho…é bebida cara e
saborosa. Queres provar? Mas só to dou se me fizeres um favor.
Polifemo – (irritado) Ora, se quero provar! Está claro que quero provar! E
que favor é esse?
Ulisses – Que nos deixes ir
embora desta ilha.
Polifemo – (atirando um urro gutural que Ulisses
percebeu ser riso) UAHAHAHAHAH! Ora essa, e ficar sem o meu pequeno-almoço?
Isso é que não! Mas se me deres esse tal vinho e for bom, prometo que te faço
um favor.
Ulisses – E que favor é esse?
Polifemo – Verás, mas primeiro
o vinho. O VINHO, O VINHO, QUERO O VINHO JÁ!
(Ulisses
ordena que lhe tragam o barril, que entrega a Polifemo. Este bebe todo o vinho
de um só fôlego)
Polifemo – (limpando a boca com a mão e pestanejando) Ora
esta, este tal vinho é bom, é! Ora, se é! Como recompensa, vais ser o último
que eu vou comer.
(Polifemo
foi-se mostrando muito mais amigável depois de ter bebido todo o vinho e acabou
por contar a sua história a Ulisses. Em troca, exigiu saber o nome do
navegador)
Polifemo – E tu, como te
chamas? E como vieste cá parar?
Ulisses – (hesitando) Eu…
Polifemo – (erguendo um pouco a voz) Sim tu, como
te chamas?
Ulisses –
Eu…chamo-me…chamo-me…
Polifemo – (aos berros, irritado) SIM, TU! COMO TE
CHAMAS? COMO TE CHAMAS? DIZ-ME JÁ!
Ulisses – Eu chamo-me Ninguém.
Polifemo – (soltando outra estrondosa gargalhada, ainda
pior do que a anterior) UAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAH! Ninguém! Ahahahah!
Ninguém! Que estranho nome te deram! Já percebo porque é que não o querias
dizer! Ahahahahahahahahahahah
(A
boa disposição de Polifemo voltou e ele estava prestes a exigir que lhe fosse
contada a história dos viajantes quando o vinho fez finalmente efeito e ele
adormeceu. Depois de verificarem se o gigante estava mesmo a dormir, os
marinheiros reuniram-se para tentarem encontrar um modo de escapar. Não tinham
força para mover o pedregulho…Ulisses decidiu então que o melhor a fazer era
cegar o gigante. Apontou-lhe a espada mesmo para o centro do olho e ZÁS)
Polifemo –
AUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUU! (Polifemo
acordou aos berros de dor, dando pulos tão grandes que quase parecia que a
gruta viria a baixo) Acudam, meus irmão, acudam! Acudam ao pobre Polifemo!
(Os
ciclopes acorreram aos seus gritos; mas tinham um grande medo àquele seu irmão
violento, pelo que não se atreveram a retirar o pedregulho da gruta)
Ciclopes – Que foi, Polifemo?
Polifemo – (com urros chorosos) Acudam, Ninguém
está aqui! Ninguém quer matar-me!
Ciclopes – (surpreendidos) Claro que não, Polifemo.
Ninguém te quer matar nem ninguém está aí! Vai dormir Polifemo!
Polifemo – (com berros de frustração) Seus idiotas!
Ninguém está aqui e quer matar-me!
(Mas
os outros ciclopes, achando que ele estava a ter um dos seus ataques, foram-se
embora e não lhe ligaram mais, tratando de se manter bem afastados da ilha
dele. No dia seguinte, quando Polifemo abriu a entrada da gruta aos apalpões,
Ulisses atou cada um dos homens à barriga de uma ovelha, pois o monstro
tacteava o dorso de cada animal antes de o deixar passar, para se certificar de
que não era nenhum humano. Os marinheiros lá foram saindo e, chegada a vez de
Ulisses, este agarrou-se com força ao carneiro e lá foi. Mas Polifemo, que
gostava muito do carneiro, demorou-o mais tempo e deu-lhe uma amigável palmada
tão forte que Ulisses se desequilibrou, desatando a correr em seguida. Mas o
gigante não o perseguiu, pois preferia perder um homem do que os outros todos
que estavam dentro da gruta. Só quando percebeu que todos tinham fugido é que
saiu a correr pela ilha, mas nessa altura já os marinheiros estavam a salvo,
longe da ilha)
Coro – Ó astucioso Ulisses!
Quantos perigos sofreste depois pelo que fizeste a Polifemo! Pois Posídon, o
grande senhor dos mares, não perdoa com facilidade e não esqueceu o ataque ao
seu filho ciclope! Na sua fúria, perseguiu-te ao longo de toda a viagem,
enterrando nas profundezas o seu tridente para erguer contra ti as fúrias do
mar!
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