05/11/12

Um Texto sobre o Dia da Ciência!


“Deve-se sair da vida como de uma festa, nem sedento nem bêbedo.”
Aristóteles

Tal como a poesia moderna, as ciências físico-químicas irritam-me sobremaneira, devido à mania de que "todas a regras podem ser superadas". Que afirmação mais absurda! Sendo assim, e usando um pouco de "desconstrução" filosófica, poderíamos por a questão: para que é que existem regras se se destinam a ser superada? Ou ainda: as regras são como a Maçã de Adão? Só existem para que alguém se sinta espicaçado e tentado a transpô-las? Meu Deus, a quantidade de barbaridades que se badalam como verdades no mundo actual! Começo a lamentar, sob alguns aspectos, não ter nascido na Idade Média!

Começando por partes...Há regras e regras. As regras da Mãe Natureza são sagradas e, se existem, têm, decerto, um propósito. Afinal, na Natureza não há clonagem, fecundação in vitro e coisas desse estilo, pois não? Então, que o Homem não se arme em senhor do Universo, porque esse obedece a desígnios mais altos. Poderíamos quase dizer que é a antítese do verso camoniano "Que outro valor mais alto se alevanta!" (Camões, Os Lusíadas, I, 3, v. 8). É melhor não brincarmos com a Natureza. Olhando à nossa volta, vemos que tudo é equilíbrio...mesmo aquilo que nos parece devastador e uma perfeita encarnação do "belo horrível". Para que há-de um "bicho da terra tão pequeno"* se aventurar a estragar aquilo que lhe foi dado de presente? A Terra não é só nossa e é muita arrogância considerar que podemos dela fazer o que quisermos...nem sequer sabemos se somos, como nos têm vindo a ensinar, o único ser racional a habitar este planeta...quanto mais este Universo.

E, como a melhor lei é sempre a Lei Natural, é por ela que nos devemos pautar nas nossas acções, caso contrário arriscamo-nos a dar um renovado sentido à estrofe de encerramento do primeiro canto d' Os Lusíadas:
No mar tanta tormenta e tanto dano,
Tantas vezes a morte apercebida;
Na terra tanta guerra, tanto engano,
Tanta necessidade aborrecida!
Onde pode acolher-se um fraco humano,
Onde terá segura a curta vida,
Que não se arme nem se indigne o Céu sereno
Contra um bicho da terra tão pequeno?*

Ah...! O sublime Camões! Tem versos para todos os ensinamentos bons que nos podemos lembrar de querer transmitir e, como se vê, quatrocentos e tal anos mais tarde, ainda tem muitas e novas aplicações! E, já que entramos pelo nosso grande, enorme Poeta, aproveito para comparar a sua poesia à "poesia moderna" dos dias de hoje.

Aprenda as regras e supere-as, é o lema da arte hoje em dia. Claro que é fácil fazer como agora é hábito e correr a fazer quadros todos malucos em que ninguém vê grande coisa mas todos dizem que sim...como aqueles quadro em que há um pontinho e toda a gente, para não fazer figura de ignorante, se apressa a dizer que vê o retrato da diminuta condição humana ou de qualquer outra coisa. Pessoalmente, gosto de muita da pintura abstracta, mas tendo a antipatizar com a maioria dos poetas modernos. Curioso, não é, que tanto poeta se tenha apressado a superar as regras, a esquecer metro, equilíbrio e rima e ainda ninguém tenha produzido nada tão esteticamente perfeito como a poesia épica de Camões ou de outro poeta da mesma índole.

Aqui, dou de novo o salto para a Ciência dos dias de hoje. Tenho de admitir, gosto imenso de Biologia e de Geologia e gosto de poder saciar a minha sede de conhecimento. Apenas acho que os cientistas que se afadigam em expandir os limites do conhecimento que temos do Universo se deviam antes preocupar com coisas mais terrenas como as fomes, as epidemias, as doenças ainda sem cura, etc. E, acima de tudo, devemos parar de mexer com a essência da vida. Só a Natureza (quer a chamemos assim ou lhe dêmos um nome de divindade...Deus, Júpiter, Jeová, Ódin, etc) tem a chave desse supremo mistério e não nos cabe a nós arrancar-lha. Ninguém sabe ainda que terríveis crimes podemos estar a cometer. 

O mais curioso de tudo isto é que, com tanta gente inteligente que por aí anda, ainda ninguém ter percebido que "superar as regras" não quer dizer pô-las de lado; significa, isso sim, atingir o discernimento e a plenitude que permitem que nos sintamos bem dentro dos limites por elas impostos, significa viver em harmonia com as "leis superiores" e ter completa liberdade dentro delas, a verdadeira liberdade. Nada mais livre que um ser a quem assenta bem a sua pele, que um pássaro que gosta das penas que tem e não inveja as do vizinho, que um peixe a quem servem as suas escamas e as suas barbatanas. Lembremo-nos do que aconteceu aos Voadores, que Padre António Vieira usa como modelo de arrogância no seu Sermão de Santo António aos Peixes.

Para terminar, e sobre esta temática, deixo aqui um dos meus favoritos entre os sonetos de Camões, absolutamente actual e esclarecedor:

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o Mundo é composto de mudanças,
Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança
E do bem, se algum houve, as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria
E em mim converte em choro o doce canto.

E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança se faz de mor espanto,
Que não se muda já como soía.

Ars longa, vita brevis!**

Tomás Vicente

Os Lusíadas, canto I, estrofe 106, verso 8
** Tradução latina do primeiro aforismo de Hipócrates.

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