21/11/13
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15/11/13
09/11/13
Contos Contados 5: "A Pêra e o Pombo"
A Pêra
e o Pombo
Há
muito tempo, numa região de verdejantes campos férteis onde floresciam muitas
espécies de plantas e as colheitas amadureciam calmamente, banhadas pelo sol
meigo e aconchegante, existia um grande pomar onde abundavam, entre outras
qualidades de árvores de fruto, laranjeiras e pereiras. Esse pomar era o
orgulho das gentes do campo, pois a fruta de lá era mais doce e, quando as
árvores se carregavam dessas jóias comestíveis, ficava especialmente bonito e
colorido, fazendo lembrar uma grande manta de retalhos.
Esta
história começa num qualquer ano esquecido – já nem os ventos se lembram qual
foi esse ano, pois muito tempo passou desde que isto aconteceu e, como não
gosta de andar sozinho, o tempo levou consigo, como de costume, muitos
pormenores de histórias incautas que não se fizeram registar a tempo, sendo
esta uma das histórias espoliadas, ao que parece –, na época em que os frutos
de todas essas árvores eram colhidos, enchendo muitos cestos. Foram levados
para uma vila próxima dali para serem vendidos numa feira que lá se realizava
no primeiro domingo de cada mês. Algum tempo depois já toda a produção estava exposta
em caixas de madeira colocadas em várias bancas à volta da praça, onde era
mantida limpa e com bom aspecto, de modo a atrair quem passasse.
Até
então, cada uma daquelas peças de fruta tinha sido bem tratada e fizera a
viagem com relativo conforto e uma cómoda sensação de bem-estar. Eram aquilo a
que poderíamos chamar sortudas e estavam todas bastante satisfeitas com os
cuidados e a deferência que os feirantes demonstravam para com elas, excepto
uma das peras mais verdes, que era ainda uma novata ingénua. Além disso, era
também um pouco sonhadora e insensata.
Certo
dia, essa mesma pêra, juntamente com algumas outras, foi comprada por uma
mulher severa, de cenho carregado, que as levou para sua casa dentro de um
cesto de verga, tratando-as, a despeito do que se poderia esperar de alguém com
aqueles modos, com justa correcção, poupando-lhes moças e outros estragos.
Chegada a casa, que se situava num primeiro andar, mesmo por cima de uma
mercearia com um toldo às riscas vermelhas e brancas, a mulher retirou as peras
de dentro do cesto e pousou-as cuidadosamente numa modesta fruteira.
Nos
dias que se seguiram, a jovem pêra viu um número razoável das suas companheiras
abandonarem a fruteira, umas atrás das outras, quando a velha se aproximava
delas, depois de um modesto jantar, para escolher aquela que nesse dia lhe
serviria de sobremesa.
Da
posição que ocupava na fruteira, via perfeitamente tudo o que acontecia depois,
o ritual que se seguia: o leve arrastar de um pratinho ao longo do pequeno
tampo de madeira, onde a velha tomava, sozinha, as refeições, uma faca que era
tirada de uma gaveta, o som discreto da lâmina a cortar a casca e a polpa,
incentivada pelos cansados dedos da mulher solitária e triste e, sobretudo, o
momento derradeiro, em que os despojos da pêra cortada desapareciam na boca da
sua anfitriã. A pequena pêra detestava ver aquele espectáculo assustador,
prenúncio do futuro que um dia teria. E o que mais a perturbava era o facto de
as suas companheiras que permaneciam intactas encararem tudo aquilo com
naturalidade e sem se deixarem impressionar pelos golpes da faca, que a lhe
pareciam selváticos.
-
É o nosso destino. – diziam – As peras sempre foram levadas pelos homens para
as suas casas e por eles comidas para sua satisfação… É uma espécie de tradição
e as tradições, todas o sabemos, nunca se devem quebrar! – e lá continuavam na
delas, sem se importarem com a perspectiva de verem, mais tarde ou mais cedo, a
sua vida findar no fio de uma faca de cozinha.
Mas
o que à nossa pêra era mais difícil de
suportar era que as sementes das suas irmãs que iam sendo devoradas fossem
atiradas, juntamente com as cascas, para um pequeno balde do lixo. Achava que
todas elas tinham direito a que as suas sementes fossem lançadas à terra para
delas nascer uma nova planta, um nova esperança.
-
As minhas sementes hão-de descansar na terra! – prometia, enquanto dava tratos
à cabeça para descobrir uma maneira cumprir a jura.
Os
dias foram passando e a pêra sentia-se envelhecer, sentia o seu corpo a
amadurecer e a sua pele a ficar menos rija. As outras peças de fruta iam
desaparecendo da fruteira, pouco a pouco, e aproximava-se a sua hora, pelo que,
certo dia, tendo a dona da casa saído sem fechar a porta da pequena varanda da
cozinha e apesar de todas as advertências das suas companheiras remanescentes,
saltou da fruteira, rolou pelo tampo da mesa e depois pelo chão, até à beira da
varanda. A última coisa que as suas irmãs lhe disseram, um dos desesperados
conselhos que, sendo teimosa, não acatou, foi:
-
Olha que não devemos quebrar as tradições!
Ao
ouvir isto, algo nela se endureceu e, de coração obstinado, saltou. A queda, no
entanto, não foi como ela esperava: rolou ao longo do toldo da mercearia,
subjacente ao andar onde morava a senhora de ar severo, mas, como havia um
folga razoável no pano, ficou presa nessa depressão terrivelmente macia.
Passaram-se
horas e a pêra continuou presa no profundo vale de pano que se formara no
toldo. Lá em cima, no céu, passou um pombo – pombos não faltavam na praça! A
pêra chamou-o, gritando:
-
Ó pombo, ó pombo, ajuda-me! Ajuda-me!
O
pombo, que era uma ave oportunista, habituada a lucrar com as desgraças
alheias, veio logo ter com ela.
-
Jovem pêra, em que dificuldade te encontras? É só dizeres do que precisas que
eu tentarei ajudar-te! – disse a ave, derretendo-se em amabilidade fingida
-
Ó pombo, eu queria lançar as minhas sementes ao campo para que não fossem parar
a um miserável caixote do lixo. Queria dar origem a novas árvores! Mas agora
fiquei aqui presa e, se ninguém me transportar até lá, nunca poderei realizar o
meu sonho…ó pombinho, ajuda-me… - e desatou a chorar copiosas lágrimas de pêra.
-
Claro que te vou ajudar. Deixa-me agarrar-te. – pediu o pombo, fincando na pêra
com as suas pequenas patinhas de aguçadas garras, que arranharam a casca da sua
passageira, mas esta não se importava, uma vez que a única coisa que lhe
ocupava o espírito era a o desejo de chegar a um campo onde pudesse semear a
sua descendência.
No
entanto, quando a vila e os seus arredores ficaram para trás, ao contrário do
que esperava, o pombo não procurou um campo alegre onde a pudesse pousar,
levando-a, em vez disso, para uma pedreira onde a rocha nua aquecia debaixo de
um sol escaldante. Enquanto sobrevoava a área, disse maldosamente à jovem pêra:
-
Tu desejaste ser mais que as tuas irmãs, desejaste a glória de ser a mãe de um
pequeno pedaço da Natureza, algo que vos foi negado a todas. Mas eu
lançar-te-ei às rochas e comerei as tuas sementes, quando te esborrachares de
encontro ao chão! – e largou-a.
Tomás Vicente (ex-aluno)
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