A obra Amor de Perdição, de
Camilo Castelo Branco, detém um lugar privilegiado de
herdeira de uma longa e venerável tradição romanesca que
se vem elaborando desde a
Antiguidade Clássica, sendo precisamente o modo como
conjuga influências do património
literário anterior com a actualização dos modelos cedidos
pelo mesmo (o que o autor
consegue através do desenvolvimento ímpar, seguindo uma
abordagem pessoal, dos
arquétipos herdados) uma das coisas que torna este livro
um marco da literatura
portuguesa.
No entanto, o mais notável, em Camilo, é a autenticidade
da maioria das
personagens e a credibilidade das relações entre elas
estabelecidas. O autor deste romance
soube compreender o Amor na perfeição e o modo como o
trata na obra em questão é
simultaneamente realista à luz do tempo em que viveu e
intemporal, o que faz com que as
suas personagens uma feição de flagrante actualidade.
Sem dúvida, a “sacralização do amor”, hoje em dia, não se
processará nos mesmos
moldes, o que não obsta a que o neo-platonismo,
omnipresente ao longo deste livro, seja,
ainda no presente, uma constante do verdadeiro sentimento,
do mesmo modo que não
impede que a matéria dessa sacralização e sua vivência
sejam, na sua essência, as mesmas
Partindo de uma leitura atenta da obra, facilmente se
pode concluir que não podia estar
mais longe da verdade a ideia que hoje vulgarmente se tem
de uma literatura camiliana
exagerada, marcada por excessos patéticos. Se Camilo
leva, no romance, o amor ao
extremo é porque foi o amor juvenil que o escritor
escolheu tratar, precisamente aquele que
talvez seja o estádio mais absoluto do sentimento – e,
obviamente, o que é absoluto
facilmente conduz a extremos. Temos, pois, em mãos, um
livro que tem tanto de pungente
humanidade e verdade hoje em dia como o teve no já remoto
ano de 1862.
Tomás Vicente (ex-aluno)
[síntese do supramencionado trabalho apresentado no CCB no passado dia 24, destinada a publicação no próximo número da revista Opsis]