A nossa biblioteca é um lar acolhedor, um lugar especial - isso é inegável. Muitas vezes, quando uma coisa se torna rotineira, quando o entra-e-sai se torna um lugar-comum, quando nos habituamos de tal modo a um espaço com o qual convivemos diariamente, podemos deixar de reparar, a pouco e pouco, nas coisas que o tornam especial...é como se deixássemos de ter os olhos abertos.
É, também, certo que quem anda com os olhos fechados acaba por tropeçar e cair. É de um bom abanão que todos precisamos, de vez em quando. O poema que se segue, é um maravilhoso abanão a este particular tipo de cegueira. Foi escrito pelo professor de Filosofia e poeta Joaquim Nogueira Marques, o qual já participou em numerosos colóquios com os alunos da nossa escola. Quando solicitado a escrever um texto para figurar entre os primeiros a terem lugar neste blogue, o professor escreveu, respondendo:
"Tudo o que eu sei dizer sobre esse lugar transcendente que é uma Biblioteca está no meu poema com esse título, que anexo e que podem publicar, se acharem interessante - ele foi feito precisamente para a inauguração da Biblioteca da minha escola, há uns anos, mas vai dedicado a toda a vossa equipa, pois o espírito cultural e humano é o mesmo.
Se preferirem um texto de outra ordem, tentarei fazê-lo com todo o gosto, mas sendo a minha amistosa ligação à vossa escola e biblioteca na qualidade de poeta, acho que o poema ficaria bem (...)"
Como filósofo que é, o professor Joaquim Marques consegue, com este poema, um dos maiores feitos ao alcance de um filósofo: impedir que os seus leitores deixem de se espantar com o que vêem. O espanto advém de se ver realmente e leva ao verdadeiro entendimento do que se vê...e, através deste poema, podemos olhar, ver e espantar-nos com o deslumbrante alcance do potencial de uma biblioteca - em especial, digo-o honestamente, da nossa biblioteca. Convidamos, pois, os leitores deste blog a saborearem calmamente este banquete poético...
"Biblioteca"
Dedicado a todos os meus amigos que fazem da Biblioteca da Escola EB 2+3 de Telheiras nº1 um lugar de saberes e de humanidade.
Ao entrar na biblioteca
o homem respirou fundo
o silêncio branco
com que as paredes tinham sido pintadas
Abriu um livro como quem abre uma cortina
e já debruçado
no parapeito de uma página
teve que cerrar um pouco os olhos
para se resguardar da luz
que nela estava poisada
Era uma luz suave
que falava da vida e da morte
do amor e do ódio
do espanto e da memória
A luz foi transbordando
e espalhou-se líquida
pela mesa onde o homem estava sentado
O tempo que por ali passava
suspendeu a urgência
dos seus passos incontornáveis
Sentou-se ao lado do homem
e deixou-se ficar
ausente
preso pelo relato
de um mundo inventado em cada letra
rendado em cada palavra
Assim ficaram o homem e o tempo
até que algumas estrelas
que moravam nos livros
agora adormecidos resolveram ir passear no céu
Antes de sair
o homem olhou para trás
e feliz
respirou outra vez
o silêncio branco
eterno das paredes
- Amanhã aqui voltarei
a este lugar onde os homens se tornam deuses !
Joaquim Nogueira Marques
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